São Paulo, domingo, 01 de dezembro de 2002

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SAÚDE

O médico Paulo Roberto Teixeira diz que o tratamento de gestantes e de presidiários ainda estão pendentes

Novo governo herda "dívidas" da Aids

AURELIANO BIANCARELLI
DA REPORTAGEM LOCAL

A política de Aids do futuro governo petista terá duas grandes dívidas sociais para saldar, entre outras pendências: aumentar o acesso ao tratamento por parte das gestantes com HIV ou Aids e oferecer aos presidiários infectados o mesmo tratamento que recebem os doentes comuns.
O reconhecimento dessa dívida não está sendo feito por estranhos ou críticos ao programa oficial de Aids, mas pelo médico que há anos vem comandando esse programa, o dermatologista e sanitarista Paulo Roberto Teixeira, 54.
Responsável pelo primeiro programa de Aids na América Latina, o do governo do Estado de São Paulo, em 1983 -quando a doença nem nome tinha-, Teixeira diz que precisará de pelo menos mais dois anos para consolidar a política brasileira de Aids que se tornou modelo para o mundo todo. Depois, seu plano é ajudar a implantar nos países africanos o modelo adotado no Brasil.
Como coordenador de um programa do Ministério da Saúde, Teixeira estaria num cargo de segundo ou terceiro escalão. Por conta da gravidade da Aids e da visibilidade que o modelo brasileiro adquiriu, o posto transformou-se em estratégico e seu ocupante virou decisão pessoal do ministro.
Os gastos anuais do programa beiram os US$ 550 milhões, aqui incluídos custos de manutenção, compra de medicamentos e reagentes e gastos do SUS (Sistema Único de Saúde). A intenção, diz, é inserir cada vez mais o programa de Aids dentro do SUS.
Há duas semanas, o Ministério da Saúde lançou o Projeto Nascer, treinando profissionais e garantindo a presença de testes rápidos nos hospitais e maternidades. Na entrevista que concedeu à Folha, Teixeira fala sobre medidas como essa e explica, por exemplo, por que entre as "dívidas" do novo governo está a transmissão do HIV da mãe para o filho.

Folha - O programa brasileiro de Aids vem sendo considerado modelo. Onde será preciso avançar?
Paulo Roberto Teixeira
- Temos duas grandes dívidas que precisam ser saldadas com urgência. Uma delas é a questão da transmissão vertical. Mais de 50% das gestantes com HIV ou Aids acabam dando à luz sem receber o tratamento disponível. Diagnosticadas no pré-natal e tratadas -a gestante e o bebê-, o risco de uma criança nascer infectada cairia de 28% para 3%.
A outra grande dívida é com as populações penitenciárias com HIV ou Aids, que devem ter direitos iguais. Recursos para isso existem, mas falta acompanhamento clínico, exames laboratoriais, distribuição de camisinha.
Em 2003, estaremos iniciando programas de troca de seringas em projetos pilotos em três presídios de três Estados.

Folha - Todos os números estão indicando, no Brasil e lá fora, que a Aids vem crescendo mais entre as mulheres. Como lidar com isso?
Teixeira
- As mulheres continuam sendo as mais vulneráveis e estamos tentando novas estratégias. A infecção está crescendo entre as mulheres casadas, fiéis, que não têm outro fator de risco, mas sem a percepção de risco, justamente por se sentirem seguras. É o resultado de uma cultura machista, que se soma à dependência financeira e à relação de gênero. Ainda é o homem que comanda.

Folha - A política de prevenção é difícil de ser avaliada. Ela vem funcionando dentro do esperado?
Teixeira
- A previsão do Banco Mundial é que teríamos 1,2 milhão de soropositivos em 2000. Eles são hoje cerca de 600 mil. Em 1991, tínhamos a mesma taxa de infecção da África do Sul, que era de 1%. Hoje, eles têm 25% e o Brasil, 0,6%. São sinais de que a prevenção está dando resultados.
Outra prova disso é que há técnicos brasileiros sendo chamados para as missões mais difíceis. Pedro Chequer, que foi da coordenação nacional, já esteve no Cone Sul e agora está na Rússia, a "bomba-relógio" da Aids. Há brasileiros em Moçambique e em Botsuana. Em vários aspectos, o Brasil agiu de forma mais rápida e criativa do que a própria Organização Mundial da Saúde. Com a quebra de patentes e a produção de genéricos que fizemos, o Brasil é hoje modelo para os países pobres e em desenvolvimento.


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