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SAÚDE
O médico Paulo Roberto Teixeira diz que o tratamento de gestantes e de presidiários ainda estão pendentes
Novo governo herda "dívidas" da Aids
AURELIANO BIANCARELLI
DA REPORTAGEM LOCAL
A política de Aids do futuro governo petista terá duas grandes
dívidas sociais para saldar, entre
outras pendências: aumentar o
acesso ao tratamento por parte
das gestantes com HIV ou Aids e
oferecer aos presidiários infectados o mesmo tratamento que recebem os doentes comuns.
O reconhecimento dessa dívida
não está sendo feito por estranhos
ou críticos ao programa oficial de
Aids, mas pelo médico que há
anos vem comandando esse programa, o dermatologista e sanitarista Paulo Roberto Teixeira, 54.
Responsável pelo primeiro programa de Aids na América Latina,
o do governo do Estado de São
Paulo, em 1983 -quando a doença nem nome tinha-, Teixeira
diz que precisará de pelo menos
mais dois anos para consolidar a
política brasileira de Aids que se
tornou modelo para o mundo todo. Depois, seu plano é ajudar a
implantar nos países africanos o
modelo adotado no Brasil.
Como coordenador de um programa do Ministério da Saúde,
Teixeira estaria num cargo de segundo ou terceiro escalão. Por
conta da gravidade da Aids e da
visibilidade que o modelo brasileiro adquiriu, o posto transformou-se em estratégico e seu ocupante virou decisão pessoal do
ministro.
Os gastos anuais do programa
beiram os US$ 550 milhões, aqui
incluídos custos de manutenção,
compra de medicamentos e reagentes e gastos do SUS (Sistema
Único de Saúde). A intenção, diz,
é inserir cada vez mais o programa de Aids dentro do SUS.
Há duas semanas, o Ministério
da Saúde lançou o Projeto Nascer,
treinando profissionais e garantindo a presença de testes rápidos
nos hospitais e maternidades. Na
entrevista que concedeu à Folha,
Teixeira fala sobre medidas como
essa e explica, por exemplo, por
que entre as "dívidas" do novo
governo está a transmissão do
HIV da mãe para o filho.
Folha - O programa brasileiro de
Aids vem sendo considerado modelo. Onde será preciso avançar?
Paulo Roberto Teixeira - Temos
duas grandes dívidas que precisam ser saldadas com urgência.
Uma delas é a questão da transmissão vertical. Mais de 50% das
gestantes com HIV ou Aids acabam dando à luz sem receber o
tratamento disponível. Diagnosticadas no pré-natal e tratadas -a
gestante e o bebê-, o risco de
uma criança nascer infectada cairia de 28% para 3%.
A outra grande dívida é com as
populações penitenciárias com
HIV ou Aids, que devem ter direitos iguais. Recursos para isso existem, mas falta acompanhamento
clínico, exames laboratoriais, distribuição de camisinha.
Em 2003, estaremos iniciando
programas de troca de seringas
em projetos pilotos em três presídios de três Estados.
Folha - Todos os números estão
indicando, no Brasil e lá fora, que a
Aids vem crescendo mais entre as
mulheres. Como lidar com isso?
Teixeira - As mulheres continuam sendo as mais vulneráveis e
estamos tentando novas estratégias. A infecção está crescendo
entre as mulheres casadas, fiéis,
que não têm outro fator de risco,
mas sem a percepção de risco, justamente por se sentirem seguras.
É o resultado de uma cultura machista, que se soma à dependência
financeira e à relação de gênero.
Ainda é o homem que comanda.
Folha - A política de prevenção é
difícil de ser avaliada. Ela vem funcionando dentro do esperado?
Teixeira - A previsão do Banco
Mundial é que teríamos 1,2 milhão de soropositivos em 2000.
Eles são hoje cerca de 600 mil. Em
1991, tínhamos a mesma taxa de
infecção da África do Sul, que era
de 1%. Hoje, eles têm 25% e o Brasil, 0,6%. São sinais de que a prevenção está dando resultados.
Outra prova disso é que há técnicos brasileiros sendo chamados
para as missões mais difíceis. Pedro Chequer, que foi da coordenação nacional, já esteve no Cone
Sul e agora está na Rússia, a
"bomba-relógio" da Aids. Há brasileiros em Moçambique e em
Botsuana. Em vários aspectos, o
Brasil agiu de forma mais rápida e
criativa do que a própria Organização Mundial da Saúde. Com a
quebra de patentes e a produção
de genéricos que fizemos, o Brasil
é hoje modelo para os países pobres e em desenvolvimento.
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