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COMPORTAMENTO
Fantasias se exacerbam no Carnaval; especialistas alertam para o risco de esperar por "transas inesquecíveis"
Alta expectativa sexual causa frustração
AURELIANO BIANCARELLI
DA REPORTAGEM LOCAL
Vá atrás do bloco que desejar,
vista a máscara que preferir, mas
não comece o Carnaval sentindo-se na obrigação de satisfazer todas
as suas fantasias sexuais. Você
corre o risco de chegar na quarta-feira com camisinhas sobrando
no bolso e um desconfortável sentimento de frustração.
Ver no Carnaval uma festa na
qual todos se liberam e conseguem "grandes aventuras sexuais" é uma crença que "não vale
para todo mundo". Criar expectativas e acabar se sentindo deixado
de "fora da festa" pode prejudicar
a auto-estima e causar frustrações, dizem os especialistas.
"Há uma tendência de normatizar e massificar a sexualidade. Isso acaba provocando sofrimento
nas pessoas", diz a psicóloga Jonia
Lacerda, supervisora no Instituto
de Psiquiatria do Hospital das Clínicas. Determinar padrões supostamente normais -como o número de relações por semana ou a
duração delas- é ir contra o que
a sexualidade tem de mais especial, que é o "diferente", diz a psicóloga. "A sexualidade é única para cada pessoa e será diferente em
cada momento da vida."
"Não catei ninguém"
"No Carnaval, fica uma conotação tão sexual que vira uma exigência das pessoas, quando poderia ser um momento de festa", diz
a psicóloga Beth Gonçalves, coordenadora da ONG GTPOS, Grupo
de Trabalho e Pesquisa em Orientação Sexual. O grupo atua com
adolescentes. "Os meninos dizem
que no Carnaval precisa ser mais
de uma, uma só é fácil", diz Thais
Scabio, 25, que trabalha com adolescentes da Cidade Júlia, na zona
sul. "Quando não conseguem,
nem falam, apenas lamentam,
"não catei ninguém"."
Beth Gonçalves diz que o Carnaval acabou se transformando
de encontro em obrigação. "É como se você estivesse entre a camisa-de-força e a camisa-de-vênus."
Estudos mostram que, embora
as oportunidades e os encontros
sejam mais frequentes no Carnaval, as pessoas bebem tanto que a
relação sexual acaba "a meio
pau", como se diz na gíria. O que,
na prática, só aumenta os riscos
das DSTs, Aids e gravidez.
"Babando"
Por conta disso, é nesta época
que os órgãos de saúde e ONGs
que trabalham com Aids e sexualidade mais distribuem camisinha. Em estações de trem, sambódromo e clubes há sempre um
grupo distribuindo camisinha.
Quem quiser, vai encher os bolsos. Nos outdoors e na TV, Kelly
Key dirá que sem camisinha você
ficará "babando".
Especialistas dizem que, mesmo
com camisinha no bolso, sempre
existirá um grupo "babando", por
conta dos desencontros, da baixa
auto-estima e da solidão.
"A miséria sexual não desapareceu, mesmo com a suposta liberação", afirma Jonia Lacerda. A terapeuta sexual Carla Zeglio, do
Instituto Paulista de Sexualidade,
diz que os encontros são sempre
possíveis. "As pessoas mais se excluem do que são excluídas.
Quem deseja e vai em busca de
afeto acaba encontrando." Homens e mulheres que estão sozinhos "não se encontram porque
não estão dispostos" ou "porque
buscam alguém perfeito".
O Ministério da Saúde, principal pregador e distribuidor de camisinhas, diz não ter a intenção
de causar sofrimento ou frustração em ninguém. "As campanhas
não são mais erotizadas", diz Denise Doneda, responsável pela
prevenção no Progama Nacional
de DST-Aids. "Aproveitamos um
momento de festa para falar de
saúde de forma lúdica."
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