São Paulo, sábado, 02 de agosto de 2008

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WALTER CENEVIVA

Para chegar do crime à pena


As estruturas legislativas, judiciárias e a administração do aparelhamento estatal não se ajustaram ao mundo atual

NAS LEIS PENAIS, a descrição dos crimes é feita por tipos de conduta. As leis dão parâmetros para enquadramento dos acusados de delitos, enquadramento esse que é a base da acusação e que compõe o oferecimento dos meios de defesa. As estruturas legislativas, judiciárias e a administração do aparelhamento estatal não se ajustaram ao mundo atual na criação e aplicação das leis às ações delituosas, para punições que tranqüilizem a sociedade, ao identificar responsáveis ou ao os inocentar.
O caminho para saltar do crime à pena exige o conhecimento das leis penais em geral. As ferramentas de trabalho, que ordenam essa caminhada entre nós, são códigos e leis, os quais, quando modificados, impõem nova interpretação que a ajuste ao direito alterado. Pois bem: desde que os Códigos Penal e de Processo Penal foram publicados, em 1940 e 1941, respectivamente, sofreram mais de 200 modificações, agravando a tarefa dos profissionais, em situação também encontrada nos países mais antigos.
Muitas vezes se vê nosso Judiciário acusado de absolver réus que apareceram perante o público como culpados. Já escrevi e repito: dizer que a polícia prende e o juiz solta é erro grave. Quando o magistrado expede a ordem de soltura, em regra é porque se convenceu da ilegalidade ou do inconveniente da prisão, ao faltarem dados processuais que legitimem tal manutenção ou, se forem cabíveis, as razões da defesa.
Pode ocorrer que a produção da prova dificulte a aplicação da pena por vários motivos -desde a insuficiência de recursos humanos e materiais, do simples levantamento de dados até as perícias mais sofisticadas. Tudo somado retarda a sentença final, cuja demora é injusta em si mesma. Ofende a presunção de inocência, acolhida pela Constituição, que preserva a liberdade.
O mesmo acontece quando a decisão agrava a pena ou a reduz a quase nada, ofendendo a prova. A sentença, passados anos da denúncia inicial, sofre conseqüências geradas pela máquina estatal nos três Poderes, contrariando regras constitucionais que asseguram a todos a duração razoável do processo e a celeridade de sua tramitação -e dando causa à intranqüilidade atual.
Há o que fazer? Há, mas não nos iludamos. Muitos iludidos pensam que há países nos quais os julgamentos surgem rapidamente, com a decisão do magistrado na punição devida. Nosso sistema será tão ruim, que não agüenta a comparação?
Para entender a resposta é necessário saber que a legislação brasileira segue o sistema europeu de leis escritas (geralmente referido, em inglês, como "statute law"). O direito anglo-saxão (que inclui o britânico e o estadunidense) se baseia em precedentes de decisões judiciais (é a chamada "common law"). Desde a segunda metade do século 20, os dois sistemas vêm sendo mesclados pela prática, cada qual colhendo experiências do outro sistema.
Nem aqui nem lá, a massa da criminalidade crescente tem encontrado meios legais, judiciais e administrativos aptos a dar solução justa, rápida e barata aos julgamentos, como seria de desejar.
Não encontraram porque as transformações sociais passaram por imensa e mal absorvida mutação nos últimos decênios do século passado. Tudo mudou. Estamos reconstruindo a história. Precisamos ter muitos anos de paciência.


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