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Nove são presos acusados de aplicar o "golpe do remédio"
Segundo o governador Serra, grupo falsificava atestado médico para obrigar o Estado, via ações judiciais, a comprar medicamentos
Foram presos médico, advogados, integrantes de uma ONG e 4 funcionários dos laboratórios Wyeth, Mantecorp e Merck Serono
RICARDO WESTIN
LUIS KAWAGUTI
DA REPORTAGEM LOCAL
Nove pessoas foram presas
ontem na região de Marília
(435 km de São Paulo) sob a
acusação de forjar receitas médicas para obrigar, por meio de
ações judiciais, a Secretaria de
Estado da Saúde a comprar remédios para 15 pessoas com
psoríase (doença inflamatória
da pele). Em um ano foram gastos em torno de R$ 900 mil.
Os supostos membros da
quadrilha são um médico, dois
advogados, dois membros da
ONG (organização não-governamental) Associação dos Portadores de Vitiligo e Psoríase
do Estado de São Paulo e quatro funcionários dos laboratórios farmacêuticos Wyeth,
Mantecorp e Merck Serono.
A multinacional Abbott, embora não tenha tido nenhum
funcionário preso, também está sendo investigada. O governo
disse que ainda não é possível
saber se as diretorias dos laboratórios farmacêuticos tinham
conhecimento do esquema.
Por meio do SUS (Sistema
Único de Saúde), o governo fornece à população diversos tipos
de remédio. No caso da psoríase, são três. Normalmente, o
doente se trata com um deles. O
mais barato custa R$ 50 por
mês. O mais caro, R$ 1.000.
Os advogados da quadrilha,
diz o governo, usaram prescrições forjadas pelo médico Paulo César Ramos para convencer
a Justiça de que o Estado deveria fornecer àqueles 15 pacientes remédios mais caros e que
não fazem parte do SUS. Esses
medicamentos, para um doente, custam R$ 5.000 por mês.
É comum que os juízes atendam aos pedidos, com base na
Constituição, que determina
que a saúde é um "direito de todos" e "dever do Estado".
A Secretaria da Saúde diz ter
atendido a 3.800 ordens judiciais no ano passado que determinavam a entrega de medicamentos caros contra psoríase.
Do total, o governo crê que ao
menos 2.500 tiveram origem
fraudulenta -R$ 63 milhões.
"O grande lucro ficava com
os laboratórios, que vendiam
muito mais", afirmou o delegado Fábio Pinho Alonso, de Marília. Os laboratórios repassavam parte do lucro à ONG, aos
advogados e ao médico. A ONG
recebia R$ 150 por paciente.
A Secretaria da Saúde diz
que, dos 15 pacientes, 13 poderiam ser tratados com os remédios mais baratos, que são oferecidos regularmente pelo SUS.
Os outros dois nem sequer tinham psoríase. Como os medicamentos solicitados reduzem
as defesas do corpo, três pacientes acabaram contraindo
tuberculose, disse o governo.
"É uma forma de corrupção
mórbida, porque mexe com a
saúde das pessoas", afirmou o
governador José Serra (PSDB),
que anunciou o desbaratamento da quadrilha ao lado de seus
secretários Ronaldo Marzagão
(Segurança Pública) e Luiz Roberto Barradas Barata (Saúde).
Serra, que foi ministro da
Saúde de 1998 a 2002, afirmou
que diversos grupos agem no
Brasil usando o mesmo esquema, mas que essa foi a primeira
vez que a polícia conseguiu desarticular uma quadrilha desse
tipo. "Essa é apenas a ponta do
barbante."
Os pacientes e os juízes não
sabiam da fraude, segundo a
polícia. Um dos pacientes usados no esquema foi um marceneiro de 28 anos. Ele ficou assustado quando soube ontem
do caso, por jornalistas. "Na associação, assinei um documento para a advogada fazer o pedido do remédio. Achei que era
simples, não que era para entrar na Justiça. Pensei que era
uma coisa séria", diz ele, que
tem psoríase desde a infância.
No ano passado, o governo de
São Paulo gastou, por ordem de
juízes, R$ 400 milhões com remédios que, na maioria dos casos, não fazem parte da lista do
SUS. O secretário Barradas Barata acredita que metade desse
valor atendeu a ações baseadas
em receitas médicas forjadas.
O Ministério da Saúde divulgou uma nota afirmando que
"já suspeitava de articulações
desse tipo". Só neste ano, o governo federal gastou R$ 48 milhões com remédios pedidos
em ações judiciais.
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