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ENTREVISTA
Nova visão de magistrados sobre direito à saúde favorece doentes
Justiça "vê dignidade como direito"
AURELIANO BIANCARELLI
ENVIADO ESPECIAL A BRASÍLIA
Todo homem tem direito a uma
vida digna, diz a Constituição brasileira. A Carta já tem 15 anos, e
boa parte dos cidadãos ainda nem
sabe o que é ter dignidade. Nos últimos anos, no entanto, vem crescendo o número de magistrados
que interpretam os fatos de acordo com uma visão mais ampla
dos princípios constitucionais,
nos quais o direito a uma vida
digna está garantido.
Alguém que recorra à Justiça
alegando que mora em condições
humilhantes, em bairro onde corre o risco de balas perdidas, ou
tem na família alguém que necessita de tratamento que o Estado
não oferece, por exemplo, tem toda chance de ganhar essa ação.
"O interessante é que esse novo
olhar vem sendo fundamentado
na questão da saúde, que pela
Constituição é um direito do cidadão e um dever do Estado", diz o
jurista Dalmo Dallari, coordenador da cátedra Unesco/USP de direitos humanos da Universidade
de São Paulo e membro da Comissão de Juristas, ONG com sede
em Genebra que assessora as Nações Unidas para questões de direitos humanos.
Na quinta-feira, Dalmo Dallari
participou do debate Os Direitos
Humanos e o Direito à Saúde no
7º Congresso Brasileiro de Saúde
Coletiva, cujo tema foi justamente
saúde, Justiça e cidadania.
Abaixo, trechos da entrevista
que concedeu à Folha:
Folha - Mudou o conceito de saúde ou vem mudando a interpretação que os magistrados fazem da
Constituição?
Dalmo Dallari- As duas coisas. O
conceito definido pela Organização Mundial da Saúde desde 1947
diz que saúde é um estado completo de bem-estar físico, psíquico e social. Antes, saúde era apenas a ausência de doença. Por outro lado, os magistrados estão entendendo que a vida e a integridade fazem parte dos direitos do cidadão, assim como morar dignamente e ter acesso à educação.
Ainda há juízes que adotam um
pensar que vem do século 18, segundo o qual a lei deve ser obedecida porque é lei, não porque é
justa. Isso levava e ainda leva a
muitas injustiças.
Folha - O conceito de dignidade
não é subjetivo?
Dallari - A dignidade é um direito, e esse direito está começando a
ser reconhecido na jurisprudência, em várias situações. Por
exemplo, negar assistência a um
paciente é privá-lo do direito à vida, e todo cidadão tem direito à
vida. Já há vários casos em que o
doente foi salvo por ação da Justiça. A dignidade é um direito na
medida que o ser humano é um
valor em si. Ele tem consciência,
racionalidade, espiritualidade.
Tem consciência do bem e do
mal, do justo e do injusto.
Folha - Os secretários da Saúde
de vários Estados estão preocupados com possíveis excessos de magistrados, que com suas decisões
estão impondo gastos à saúde pública que ela não poderia suportar.
Dallari - Todos os juízes fundamentam suas decisões em laudos
médicos, às vezes em mais de um.
De todo modo, até agora o Estado
vem mostrando que consegue
atender às determinações da Justiça. O que é preciso é que o Estado se adiante, fazendo prevenção
no sentido mais amplo, agindo
antes que a doença apareça.
Essa seria a forma mais racional
e justa de garantir o direito à saúde e à vida.
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