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Manuais de sobrevivência
Alta competitividade e falta de convivência social aquecem mercado da auto-ajuda
Para especialistas, fenômeno indica que há problemas nas relações pessoais; TV tem
até programa para resolver relação do dono com seu cão
LAURA CAPRIGLIONE
RICARDO WESTIN
DA REPORTAGEM LOCAL
O que faço se meu filho faz
birra para não tomar banho?
Como perco peso sem abrir
mão do chocolate? Qual é o melhor jeito de arrancar do chefe
um bom aumento de salário?
Como domo meu cão agressivo? Que lugares do mundo preciso conhecer antes de morrer?
Que livros não posso deixar de
ler? De que forma conquisto
meu primeiro milhão?
Embora essas questões não
sejam nada fáceis, é possível ter
resposta para cada uma delas
-e sem esforço. A auto-ajuda
multiplicou seu cardápio de temas e, agora, vem na forma de
livro, filme, revista, site da internet, programa de rádio e TV.
Dos 20 livros mais vendidos
na rede Siciliano de 12 a 18 de
julho, seis foram de auto-ajuda.
Desses, o maior fenômeno é "O
Segredo" (Ediouro), que gira
em torno da premissa de que,
quando você quer, o universo
conspira a seu favor. Está lá:
"Seu objetivo é o que você determinar. Sua missão é a que
você se atribui. Sua vida, do jeito que você a criar. (...) Você pode preencher o quadro-negro
de sua vida com o que desejar".
Como explicar que o livro,
além de ter ganhado versão para o cinema, está há mais de um
ano na lista dos mais vendidos?
Quem responde é um dos fundadores da auto-ajuda no Brasil, o médico Lair Ribeiro, autor
de "O Sucesso não Ocorre por
Acaso", lançado em 1992 e que
ficou 55 semanas em primeiro
lugar na lista dos best-sellers.
"O passarinho, para voar,
precisa de duas asas. Assim é
com o sucesso: ele depende de
dois fatores -a atitude mental
e a ação. Muitas vezes, o sujeito
tem tudo, menos a atitude
mental, o desejo, o querer algo.
Livros como esse ["O Segredo"]
são eficientes para fazer a pessoa entrar em contato com seus
próprios desejos", ele defende.
Para os especialistas, o sucesso da auto-ajuda é um mau sinal: indica que as relações pessoais já não são como antes.
"Antigamente, quando a mãe
tinha dúvidas sobre o que fazer
na vida, ela conversava com a
avó, com a irmã, com a amiga,
com a vizinha. Hoje, praticamente não existe isso. A mulher trabalha o dia inteiro, tem
a vida corrida, em muitos casos
é separada do marido. Falta
convívio. Então ela precisa recorrer a manuais", explica a terapeuta de família e professora
da PUC-SP Magdalena Ramos.
Na TV, o melhor exemplo de
auto-ajuda é o reality show britânico "Supernanny". Em cada
episódio, uma família desesperada chama uma babá que ensina a educar os filhos. O programa ganhou adaptações no
mundo todo, incluindo o Brasil.
Três meses atrás, a "Supernanny" brasileira socorreu um
casal de classe média de São
Paulo que evitava sair na rua
porque os quatro filhos passavam o tempo todo se engalfinhando. Para domar as feras, a
babá deixou mais alegre a decoração do quarto das crianças,
colou na parede placas com regras do tipo "não brigar" e
criou, como local de castigo, o
"tapetinho da disciplina".
"Se não fossem essas mudanças, eu não conseguiria estar falando com você agora pelo telefone. Eles estariam gritando,
chorando...", disse à Folha a
coordenadora de call center
Andressa Batanov, 30, que até
hoje segue à risca as soluções
dadas pela babá do SBT.
A fórmula "Supernanny" deu
tão certo que existe até uma
versão canina: "Ou Eu ou o Cachorro". Passa no GNT.
A psicóloga e colunista da
Folha Rosely Sayão lembra que
a vida de antes oferecia poucas
opções. Décadas atrás, todas as
crianças tinham, por exemplo,
de dormir cedo e obedecer aos
pais. Sem questionamento.
"Hoje não há isso. Cada família
pode criar os filhos do jeito que
quiser. Há tantas opções, que é
difícil escolher. É nessa brecha
que a auto-ajuda entra. O livro
escolhe pela pessoa", diz ela.
Vencedores
O slogan da editora Gente, a
primeira a se assumir como especializada em auto-ajuda, é
"Gente Fazendo Livros, Livros
Fazendo Gente". "A gente quer
saber o que inquieta e aflige o
nosso leitor potencial. E, a partir daí, sai em busca do melhor
profissional para escrever", diz
Anderson Cavalcante, 30, diretor-executivo da editora.
"Nossa idéia é melhorar o desempenho do nosso leitor em
um mundo hipercompetitivo",
diz Cavalcante. "Cada vez mais,
as regras capitalistas impõem-se com mais força sobre as relações profissionais, pessoais,
afetivas. Natural, pois, que as
pessoas tenham mais aspirações em relação ao sucesso, ao
poder, ao dinheiro, aos relacionamentos, às suas famílias, a si
mesmas. Por que não oferecer a
experiência dos vencedores a
quem ainda não é?"
É o caso de Gustavo Cerbasi,
34, administrador de empresas
formado pela Fundação Getulio Vargas, com especializações
em finanças no Brasil e nos
EUA. Autor de dois livros na lista dos mais vendidos ("Casais
Inteligentes Enriquecem Juntos" e "Investimentos Inteligentes"), ele é exemplo da mais
recente mina de ouro da auto-ajuda: a que lida com gestão de
carreira e finanças pessoais.
"Os brasileiros estão vivendo
uma transformação muito
grande em seus padrões de vida. Gente que nunca pôde consumir agora pode. E a pergunta
que se faz é: como manter a roda da fortuna girando?", diz.
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