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Prédios e espaços públicos são marcados com símbolos de indivíduos e gangues que disputam espaço e visibilidade
Guerra entre pichadores desfigura paisagem urbana
DA REPORTAGEM LOCAL
Caminhar por São Paulo ao lado de um pichador é como ter
cinco graus de miopia e, de repente, vestir um par de óculos.
Os rabiscos espalhados por prédios e viadutos ganham a forma
de uma caligrafia -mas o significado dessa escrita permanece inacessível aos olhos dos leigos.
São nomes de pichadores, de
gangues e das chamadas "grifes"
-que reúnem várias gangues em
torno de uma única marca. As
inscrições demarcam conquistas
de território em uma disputa por
espaço na paisagem urbana.
Os pichadores da gangue "Os
Maldosos" se penduram em viadutos. Os da "Cripta" já escalaram um edifício de mais de 20 andares sem nenhum aparato típico
dos praticantes de rapel.
Entre os grupos existe uma lógica de guerra para ver quem desafia o impossível, quem chega mais
alto, quem burla a segurança dos
edifícios. As "vítimas civis" dessa
disputa são os donos de imóveis
atingidos e os cidadãos que se importam com a conservação dos
bens públicos.
Senha
"Pichação é ibope [visibilidade,
prestígio] e adrenalina. Vale tudo.
Mas precisa ter coragem", afirma
Negão, 25, de "Os Maldosos".
"O que me instiga é a estrutura
do prédio. É descobrir a senha
[maneira de chegar a determinado ponto de um edifício] de um
lugar", diz DJ, 20, da "Cripta".
"O lance do "pixo" [pichação, na
gíria do grupo] é como o da publicidade: aparecer mais e nos lugares mais visíveis, para criar uma
identidade", explica Nunca, 21,
que também faz grafites. Para ele,
pichação é protesto e é arte.
A polêmica se revela quando as
letras estampadas pela cidade são
qualificadas como vandalismo.
"Isso é relativo. Mas, se tem muita
pichação numa cidade, isso é conseqüência de alguma coisa: falta
de lazer, frustração. É um efeito
da nossa época", diz Nunca.
Fama de mau
"A origem do grafite e da pichação é comum, é subverter o espaço urbano", explica Alexandre
Barbosa Pereira, 25, que estuda as
pichações no Núcleo de Antropologia Urbana da USP. "Só que o
grafite foi cooptado pelo poder
público e pela publicidade, enquanto a pichação foi renegada.
Como não é desenho nem tem
mensagem, ela é marginalizada."
"A pichação é um reflexo da insatisfação com uma sociedade
que produz ilusões o tempo todo:
a ilusão do bem-estar, do poder e
do glamour. Isso não preenche o
vazio existencial das pessoas, pelo
contrário", analisa Celso Gitahy,
36, autor de "O Que É Grafite"
(Coleção Primeiros Passos).
Para ele, é por isso que o grafite
se firmou como algo belo e a pichação como vilã. "O pichador é
um dos únicos segmentos atuantes da sociedade que está dizendo
não, que está incomodando. E isso não aconteceria se eles pintassem borboletas pela cidade."
Estilo
Lucas Fretin, que registrou o cotidiano de pichadores de São Paulo no documentário "A Letra e o
Muro", avalia que o estilo gráfico
rebuscado e quase incompreensível das pichações é, em grande
parte, o que incomoda tanto a seu
respeito. Segundo ele, o estilo das
pichações de São Paulo é único, o
que as tem tornado conhecidas
em outras capitais onde o grafite é
bastante difundido como Nova
York, Paris e Berlim.
Entre os pichadores, além da
aventura e dos desafios que a paisagem urbana oferece, criar letras
originais é o grande barato. Em
reuniões de pichadores, como a
que acontece às terças-feiras em
frente ao Centro Cultural São
Paulo (centro), os integrantes de
gangues trocam o que chamam
de "folhinhas" -pedaços de papel com as caligrafias inscritas.
"Algumas folhinhas de pichadores famosos chegam a ser vendidas", conta Pereira.
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