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GILBERTO DIMENSTEIN
Voto Marterra
A pesada troca de agressões
entre José Serra e Marta Suplicy, particularmente na semana
passada, transmite a impressão
de que eles têm visões opostas. Errado: ideologicamente, os dois
candidatos são muito parecidos,
quase iguais. Poderiam até estar
no mesmo partido.
No segundo turno, o eleitor
atento perceberá que a diferença
não reside na opção pelos mais
pobres e na necessidade de melhorar os serviços de saúde e educação, mas apenas nas habilidades gerenciais -ou seja, em como
administrar melhor os recursos
para reduzir a exclusão social.
Na semelhança entre os dois
candidatos, criando o voto "Marterra", está a verdadeira revolução paulistana. É uma revolução
não de obras, de métodos de gestão, mas de um olhar.
Quem analisar friamente a biografia de José Serra e a de Marta
Suplicy vai perceber que ambos
estimularam ações para diminuir
a pobreza e a desigualdade. Se
poderiam fazer mais e melhor
com o poder que detiveram é um
outro debate.
Uma das vítimas do regime militar, Serra está associado a conquistas como os genéricos, a quebra de patentes dos remédios contra a Aids, o seguro-desemprego e
a bolsa-alimentação. Apesar de
ser acusado, nesta campanha
eleitoral, de conivência com a política de juros da gestão FHC, algo
que, de fato, complicou as finanças de São Paulo, a verdade não é
bem essa. Mesmo dirigentes do
PT sabem que o candidato do
PSDB fazia, dentro do governo,
oposição à política econômica.
Marta, por sua vez, está associada à identificação com as questões de gênero e com as minorias,
bem como a conquistas como o
bilhete único, a inauguração de
melhores vias exclusivas para os
ônibus, os programas de renda
mínima e a disseminação de programas culturais e esportivos na
periferia. O CEU, se é uma política educacional que suscita justificadas dúvidas, é inegavelmente
um avanço como projeto de inclusão comunitária.
Os dois tiveram experiências em
entidades não-governamentais e
viveram nos Estados Unidos, onde o trabalho comunitário faz
parte da rotina de todos os cidadãos. Isso influenciou a visão deles sobre a importância de parcerias com a comunidade, destoando da visão tradicional das esquerdas. Os contatos acadêmicos
internacionais e o fato de terem
vivido no exterior deram a Marta
e a Serra uma visão de mundo
cosmopolita.
Mas por que, afinal, a semelhança ideológica entre Marta e
Serra revela a revolução de um
olhar? Simples: porque, seja por
marketing, seja por medo (ou pelas duas coisas juntas), a elite
paulistana desenvolveu nos últimos anos um senso de responsabilidade.
Não existe um só empresário
importante, uma só empresa importante ou mesmo uma escola
importante que não apresente,
com menor ou maior consistência, um programa orientado pela
preocupação com a pobreza e
com a violência. A violência nos
fez seres acuados pelos seqüestros,
pelos assaltos, pelos assassinatos.
Diante da selvageria, os mais poderosos, mesmo cercados de blindagens e de segurança, sentem-se
frágeis, vulneráveis.
São Paulo é a referência brasileira em terceiro setor porque os
empresários chegaram à conclusão de que o papel da empresa
não é só obter o lucro. E também
(aí entra o marketing) porque os
consumidores se importam cada
vez mais com a contrapartida comunitária dos negócios.
A elite empresarial mescla-se
com a elite intelectual, que, em
sua maior parte, aceita as regras
do jogo de mercado e vê como solução mais investimentos sociais,
especialmente em educação.
Marta e Serra são a expressão
desse consenso que se dissemina
pelo país, mais visível em São
Paulo devido à tradicional distância da cidade dos poderes federais (nunca fomos corte), à sua
força econômica e à concentração
de entidades do terceiro setor.
Do ponto de vista do eleitor não
preocupado com a sucessão presidencial ou estadual, a escolha do
próximo prefeito é, portanto,
muito mais sutil do que uma briga entre esquerda e direita, entre
quem é e quem não é sensível aos
problemas dos mais pobres.
A discussão relevante é saber
qual o melhor candidato para gerir os escassos recursos de uma cidade quebrada. É um debate
complexo, bem menos charmoso
do que a guerra entre o bem e o
mal. Mas é aí, somente aí, que se
encontrará a diferença entre José
Serra e Marta Suplicy -o resto é
marketing.
PS - Como uma das pragas eleitorais é o culto a obras físicas (daí
que tudo é faz, fez e fará), nem
Marta nem Serra se preocuparam
em deixar claro, certamente porque isso não rende votos, qual é o
melhor investimento para um
prefeito diminuir mesmo a exclusão. Como um prefeito tem ação
muito limitada para gerar emprego e mesmo para distribuir
renda, sobra-lhe melhorar a educação. E só se melhora a educação
com investimentos maciços e permanentes nos professores. O problema é que essa é uma obra que
não se vê porque está dentro da
cabeça dos mestres. E demora
muito tempo para aparecer. É o
antimarketing, mas é o que de
mais sério se pode fazer para elevar, a longo prazo, a qualidade de
vida de uma cidade.
E-mail - gdimen@uol.com.br
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