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COMPORTAMENTO
Cartilha dá dicas a homossexuais; para militante, agressões da sociedade e da polícia preocupam mais
Violência entre casal gay é tema de manual
AURELIANO BIANCARELLI
DA REPORTAGEM LOCAL
Ciumento, violento, "sarado", o
vigilante Cleber jogou álcool no
corpo de Oseas e ameaçou tocar
fogo. Se fossem à polícia, seria
uma "tentativa de homicídio",
mas o caso ficou entre as quatro
paredes. Cleber e Oseas formavam um casal e viviam juntos havia dois anos. Sem registro, a
agressão de Cleber transformou-se em mais um caso ignorado e
não registrado de "violência sexual entre casais homossexuais".
No mês passado, um manual
lançado sobre o assunto pelo
GGB, Grupo Gay da Bahia, fez
lembrar que entre casais de homossexuais, lésbicas, travestis e
transexuais também podem ocorrer ameaças, humilhações, tapas e
até mortes -nada diferente do
que ocorre entre alguns casais heterossexuais. A diferença, quando
ela existe, é que nos casais heteros
é o homem que costuma bater;
nos outros, geralmente, é o mais
fraco que apanha.
Números não oficiais divulgados pelo GGB estimam que mais
de uma centena de gays, lésbicas e
travestis (GLTs) são assassinados
por ano, no Brasil. Segundo Luiz
Mott, professor da Universidade
Federal da Bahia e fiador desses
números, entre cinco e dez desses
casos seriam de amantes que mataram parceiros.
Pode parecer chute. Nos EUA,
no entanto, o NCAVP, um programa que documenta violência
doméstica entre casais gays registrou 3.327 casos em 1997. A área
coberta representa 20% do território americano, o que significa
que o total de casos naquele país
passaria dos 16 mil. Esses seriam
só os casos registrados em delegacias e pelas ONGs, um número infinitamente menor que o real.
Segundo dados do NCAVP, os
estudos de prevalência nos EUA
mostram que entre 25% e 33%
dos membros da comunidade gay
relatam ter sofrido algum abuso
por parte de seus parceiros. O número, segundo a instituição, seria
comparável ao da violência doméstica ocorrida entre casais heterossexuais naquele país.
No Brasil, uma pesquisa feita
pela Fundação Perseu Abramo
divulgada neste ano diz que 43%
das mulheres heterossexuais já foram vítimas de violência psicológica, física ou sexual. A pesquisa,
"A Mulher Brasileira nos Espaços
Público e Privado", ouviu 2.502
mulheres em 187 cidades do país.
A maioria dos líderes da comunidade homossexual diz que a
violência contra eles -especialmente a institucional- é muito
maior e mais preocupante que a
violência entre eles, dentro do casal. Muitos são humilhados pela
família, pela igreja, pela escola, e
apanham da polícia. Também
acreditam que a violência doméstica entre eles seja menor que entre casais heteros.
A advogada Maria Stella Moreira Pires, 58, membro do colegiado
da Amam (Associação de Mulheres que Amam Mulheres), diz que
entre as lésbicas o machismo e a
disputa de poder é muito menor.
"As duas vão ao supermercado,
cuidam da casa, dividem as tarefas e se ajudam quando uma perde o emprego." Funcionária da liderança do PT na Assembléia Legislativa, Maria Stella diz que em
40 anos nunca viu uma agressão
séria entre duas lésbicas.
Rosangela Castro, do grupo de
mulheres Felipa de Souza, do Rio,
diz que a violência doméstica entre lésbica existe, "mas é muito velada". "A mulher não pode sequer
expor sua sexualidade para a família e para a sociedade, como vai
aparecer numa delegacia dizendo
que apanhou da companheira?",
pergunta. "Nem as delegacias da
mulher têm profissionais preparados para nos receber."
A cartilha do GGB chama a
atenção para as várias situações
que levam à violência entre os casais gays e sugere medidas para se
"evitar e superar este mal que faz
de nós, não seres humanos, mas
lobos e feras agressivas".
"Infelizmente, o machismo impregna a todos nós, inclusive os
gays, lésbicas, transexuais e travestis, e todos juntos, devemos
batalhar pela construção de uma
sociedade marcada pela cultura
da paz e do amor, não da guerra".
Beto de Jesus, 39, militante gay e
educador, diz que a violência institucionalizada é muito maior,
mas aquela entre os homossexuais deve ser combatida da mesma forma. "A violência tem uma
mesma matriz, a baixa auto-estima. Só vai diminuir quando você
conseguir ir ao Ministério Público
e denunciá-la, quando deixarmos
de entrar numa delegacia pela
porta dos fundos."
Mais informações sobre a cartilha do
GGB pelo telefone 0/xx/71/322-2552 ou
no site: www.ggb.org.br
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