São Paulo, domingo, 03 de novembro de 2002 |
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GILBERTO DIMENSTEIN Fome de marketing
Nas conversas reservadas
com assessores de Lula, o senador eleito Cristovam Buarque
(PT-DF), criador da bolsa-escola
no Brasil, tem alertado que a distribuição de cupons de alimentação para combater a fome é um
"retrocesso". Nos bastidores, ele
vem tentando sensibilizar o partido para evitar a tendência assistencial do programa Fome Zero,
apresentado, na semana passada,
como um dos selos distintivos da
primeira fase do governo Lula.
Na semana passada, os cupons
foram criticados por técnicos do
Ipea, onde se realizam os mais
profundos estudos sobre a miséria
no Brasil, pela médica Zilda Arns,
coordenadora da Pastoral da
Criança, responsável por um dos
mais notáveis programas mundiais de combate à desnutrição, e
pelo senador Eduardo Suplicy,
disseminador, no Brasil, do conceito de renda mínima. Não são o
que se poderia classificar de raivosos oposicionistas ao novo governo -trata-se de gente experimentada em políticas contra a
pobreza.
A ofensiva contra a falta de alimentos poderia ser bem mais
simples do que a montagem de
uma burocracia para administrar os cupons: bastaria aperfeiçoar os programas de renda mínima, fazendo-os chegar ainda
mais longe e até melhorando o
valor dos benefícios. Se o valor da
bolsa-escola, hoje de R$ 15, fosse
elevado para R$ 30, já haveria
impacto no combate à desnutrição, uma vez que a renda familiar aumentaria.
Essa fome de marketing, como
se viu na semana passada, é mais
do que compreensível -Lula precisa mostrar uma cara social,
mas, ao mesmo tempo, cuidar das
finanças públicas.
De um lado, está a necessidade
de garantir acordos internacionais e de economizar recursos e,
de outro, as demandas por mais
empregos e por investimentos em
saúde e em educação. Em 2003, a
economia não crescerá o suficiente para diminuir o estoque de desemprego -principal tema da
campanha presidencial.
O programa Fome Zero é obviamente uma política assistencialista obsoleta, mas, bem trabalhada
por um marqueteiro do tipo Duda Mendonça, pode tornar-se
uma espécie de selo de preocupação com os excluídos -afinal, é
capaz de atingir milhões de brasileiros, que vão ver no cupom mais
dinheiro no bolso.
P.S.- A maturidade do PT em
termos econômicos trouxe as melhores notícias da semana e mostrou como eram histéricas as previsões sobre fuga de capitais -se
vai continuar assim é, claro, uma
incógnita. Fala-se em caos e em
fuga de dinheiro, mas o que vimos
foi a queda do dólar e do risco-Brasil, além da subida da Bolsa
de Valores. |
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