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FALANDO COM ELES
Como no novo filme de Pedro Almodóvar, famílias "recriam" velhas rotinas de pacientes inconscientes
Familiares tentam manter vida normal com parente em coma
DA REVISTA
Os últimos sete anos da família
Guilherme poderiam fazer parte
do novo filme de Pedro Almodóvar, que estreou na sexta-feira.
"Fale com Ela" enfoca as reações
opostas de dois homens que se
tornam amigos em um hospital.
De um lado, o enfermeiro Benigno, que há quatro anos vem
cuidando de uma bailarina em
coma como se nada de errado
houvesse com ela: leva para tomar
banho de sol, passa cremes em
seu corpo inteiro, comenta filmes.
Do outro, o jornalista Marco, cético e arrasado diante da namorada
toureira também inconsciente.
Benigno recomenda: "Fale com
ela. Você não sabe o que está se
passando em sua mente".
É a mesma filosofia de boa parte
das famílias com pessoas em coma. A história dos Guilherme começou há sete anos, quando a loja
da família foi assaltada e Roque,
52 anos na época, levou um tiro
no olho. Não voltou à consciência.
Tudo mudou na vida de todos.
A mulher, Sandra Morcelli Guilherme, 58, largou a loja para cuidar do marido, primeiro no hospital, depois em casa. Foi substituída pela primogênita, Andréa
Guilherme Del Rio, 34, que para
isso abandonou a carreira de pedagoga. As duas filhas mais novas
se revezavam nos cuidados.
Com o tempo, a vida foi se reestruturando em novos trilhos,
sempre sob a esperança de que a
situação fosse apenas provisória.
No leito, Roque ganhou três
genros e quatro netas. "Elas foram
criadas pulando em cima dele, enchendo-o de beijos, dizendo "Oi,
vovô" quando entravam em seu
quarto", conta Andréa.
Para cada pequeno gesto do
doente, uma comemoração. "Eu
acho que, algumas vezes, ele nos
ouvia. Quando contei que estava
grávida de sua primeira neta, o
rosto dele parecia emocionado",
acredita Andréa.
Mistérios do lado de lá
O problema do coma é que a falta de respostas concretas sobre o
que está realmente acontecendo
no cérebro permite alimentar tanto o ceticismo dos médicos como
a esperança dos familiares.
Laís Braun Ferreira, coordenadora da UTI do São Luiz, acredita
que é possível que o doente ouça
alguma coisa. "Mas ele não reconhece quem é." Milberto Scaff, 62,
professor de neurologia da USP, é
reticente. "Não existe aquela coisa
de alguém despertar após anos dizendo que ouviu as vozes."
Diante da incerteza, como convencer a família de que a lágrima
que brotou é só uma reação involuntária da pessoa? Ou de que "falar com ela" é perda de tempo?
A possibilidade é um consolo
para o engenheiro Celso Giosa,
58, cuja mãe, Iolanda, 85, está em
coma há um ano e oito meses,
após complicações com um tumor. "Acho bom demonstrarmos
que estamos aqui, que ela não foi
abandonada", resume.
Falta de dinheiro e burocracia
também contribuem para dificultar o cotidiano. Sandra Guilherme
conta que, depois de dez dias na
UTI, o convênio queria remover
Roque para um hospital público.
"Entrei na Justiça e tive que ouvir coisas como "Seu marido está
quase morto, o que a senhora
quer que a gente faça?". Mas nós
ganhamos a liminar e ele ficou
mais sete meses lá", lembra.
O economista Carlos Costa, 76,
marido de Margareth, 75, em coma há sete anos, teve de vender a
casa de campo. "Coisa do destino", conforma-se ele.
Margareth entrou em coma depois de uma intoxicação alimentar, que acabou evoluindo para
encefalopatia. O economista não
alimenta esperanças. "Eu sou forte, mas não sei como reagiria se
ela partisse", diz.
A família Guilherme já está
aprendendo. No domingo passado, dois dias depois de darem entrevista à "Revista", Roque morreu. "Mas não queremos que ele
seja excluído da reportagem", pediu sua filha Andréa. "Ela será um
fecho digno do que esses sete anos
representaram para nós."
Leia a reportagem completa da Revista
no site www.uol.com.br/revista
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