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ENTREVISTA
Aborto autorizado enfrenta falta de estrutura e resistência médica
AURELIANO BIANCARELLI
DA REPORTAGEM LOCAL
"Algumas mães olham o ultra-som, eu mostro que o bebê está
sem cérebro, que vai morrer ao
nascer. Mas elas sentem o bebê se
mexendo, dando chutinhos,
vêem seu coração batendo. Aí me
dizem: o exame está errado, meu
bebê está bem e vai nascer sadio."
Jorge Andalaft Neto dirige a Comissão Nacional de Violência Sexual e Interrupção da Gestação
Prevista em Lei e diz que já se defrontou com várias situações como essa. A comissão faz parte da
Febrasgo, federação que reúne as
associações de ginecologia e obstetrícia do país. A anencefalia, ausência de cérebro no feto, é uma
situação incompatível com a vida,
porque o bebê viverá apenas alguns dias ou horas, caso a gravidez não seja interrompida. Mas os
abortos autorizados por lei
-quando há risco para a mãe ou
uma gravidez por estupro- ainda não incluem a anencefalia.
Ao autorizar a "antecipação do
parto", em liminar na última
quinta-feira, o Supremo Tribunal
Federal trouxe à tona a questão do
aborto legal no país. "Mesmo permitido por lei, só existem 44 hospitais no Brasil com profissionais
sensibilizados para atender gestantes vítimas de violência sexual", diz Rosangela Talib, pesquisadora da ONG Católicas pelo
Direito de Decidir. Numa parceria com o Ministério da Saúde, a
ONG vem trabalhando com equipes de hospitais públicos que possam receber casos de aborto legal,
num trabalho de "sensibilização e
informação". Em princípio, qualquer um dos cerca de 30 mil hospitais do país pode fazer o procedimento, mas há resistências éticas e religiosas, especialmente entre os médicos, diz Andalaft.
O ministério está implantando
um programa que prevê a criação
de um centro de referência para
violência sexual e aborto nos municípios com mais de 50 mil habitantes. Abaixo, trechos da entrevista que o médico concedeu:
Folha - Por que há tão poucos serviços preparados para os casos de
interrupção legal da gravidez?
Jorge Andalaft Neto - Apesar da
legalidade, muitos médicos não
aceitam interromper a vida de um
feto. Dos 44 hospitais, por exemplo, dez estão em São Paulo, muitos outros são universitários. A
intenção do ministério de ampliar
esse serviço é muito louvável, porque permite reduzir o sofrimento
da mulher. Em vários Estados,
por exemplo, não há nenhum
hospital. Em outros, instituições
tidas como referência criam dificuldades ou não possuem profissionais preparados.
Folha - Quais os limites médicos
para a interrupção da gravidez?
Andalaft - Antes tínhamos o medicamento Cytotec nos hospitais,
que era utilizado até a 20ª semana
para induzir o abortamento. Sem
esse medicamento, pode-se utilizar a curetagem e a aspiração uterina até a 12ª semana, com segurança para a mulher. Depois resta
o uso da prostraglandina, que
provoca contrações e leva ao
aborto. Após 20 ou no máximo 24
semanas, o feto pode nascer vivo
e, com os recursos que temos agora, tem chances de sobreviver.
Folha - O que é preciso considerar
quando se trata de um aborto?
Andalaft - Primeiro, a saúde da
mulher, com especial atenção para suas condições psicológicas. É
fundamental tentar reduzir seu
sofrimento e o da família. Se for
uma interrupção por anencefalia,
por estupro ou risco para a mãe, o
importante é que a interrupção
terapêutica seja feita o mais cedo
possível. Com três meses, por
exemplo, já se pode saber, com segurança, se o bebê sofre de malformação grave ou não.
Folha - Há outros casos, além da
anencefalia, em que a mulher recorre à Justiça para um aborto?
Andalaft - Há casos sofridos de
gestantes com HIV e mesmo com
câncer. Elas acham que vão morrer e se perguntam quem vai cuidar do seu bebê mais tarde. Outras mulheres se sentem fortalecidas, dizem "eu preciso ficar forte
para cuidar do meu filho que vai
nascer". Muitos juízes têm sido
sinceros e compreensivos, reconhecendo que não sabem o que
fazer. Num desses processos, um
deles devolveu o caso para nós dizendo "vocês, médicos, são os
mais indicados para julgar esse
caso; eu me sinto incompetente".
É por isso que a decisão do STF é
muito importante, pois ele passa a
decisão para o médico.
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