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FAMÍLIA MODERNA
Decisões judiciais desobrigam o homem de pagar pensão quando ele tem dois relacionamentos fixos
Justiça favorece bígamo na divisão de bens
ROBERTO COSSO
DA REPORTAGEM LOCAL
Manter relacionamento com
duas ou mais mulheres livra o homem do pagamento de pensão
alimentícia e da divisão de seus
bens, segundo entendimento
quase unânime dos tribunais.
A partir da Constituição de
1988, a união estável passou a produzir os efeitos do casamento. O
companheiro com melhores possibilidades financeiras passou a
ser obrigado a pagar pensão alimentícia para o outro com necessidades -como ocorre após o
término do casamento.
Além disso, os bens comprados
durante a união estável passaram
a ser considerados como pertencentes ao homem e à mulher,
mesmo que adquiridos e pagos
por apenas um deles. E, quando
as uniões estáveis chegam ao fim,
a Justiça divide esses bens.
Ocorre, porém, que os casamentos são registrados em cartório, e ninguém pode se casar com
duas pessoas, sob pena de o segundo casamento ser considerado nulo e não produzir efeitos.
Apesar de serem consideradas
"casamentos informais", uniões
estáveis não estão sujeitas a nenhum tipo de registro. Assim, nada impede que uma pessoa tenha
mais de um relacionamento fixo.
O Judiciário, porém, não reconhece a existência de união estável quando um dos companheiros tem relacionamento fixo com
mais de uma pessoa. Nesses casos, geralmente não ocorre a exigência do pagamento de pensão
ou da divisão dos bens.
Com o compromisso de não revelar os nomes das pessoas envolvidas, a Folha teve acesso a diversos processos, sob segredo de Justiça, nos quais foram discutidas a
divisão dos bens de homens com
dois relacionamentos fixos concomitantes. Todos eles eram divorciados ou viúvos e tinham
mais de 35 anos.
Em todos os casos, as ex-companheiras alegavam ter vivido em
regime de união estável com o homem e pediam a divisão dos bens
adquiridos por ele durante o relacionamento, mais o pagamento
de pensão alimentícia.
Além de serem surpreendidas
pela existência de um relacionamento paralelo de seus ex-companheiros, as mulheres não conseguiram o reconhecimento judicial da união estável e, por consequência, não obtiveram a divisão
dos bens do ex-companheiro
nem o pagamento de pensão.
Em um dos casos, o homem tinha um relacionamento de oito
anos com uma mulher, com a
qual teve dois filhos, e outro relacionamento de seis anos com
uma segunda companheira.
Depois de ele ter terminado a
relação com a segunda mulher,
com a qual não teve filhos, ela ingressou na Justiça e pediu a divisão dos bens.
Em sua defesa, o homem alegou
que não vivia em regime de união
estável com a mulher que o processava porque, na verdade, vivia
com outra, a mãe de seus filhos.
Desapontada pela infidelidade
do companheiro, ela pôs fim ao
relacionamento e também pediu
a divisão dos bens e o pagamento
de pensão alimentícia.
A decisão do juiz não reconheceu a união estável em nenhum
dos casos e, portanto, negou a
partilha dos bens.
Existe apenas uma decisão que
reconheceu a existência de duas
uniões estáveis concomitantes.
Ela foi proferida pela Justiça do
Rio Grande do Sul, tida como a
mais progressista do país, e sofre
críticas em vários Estados.
Nesse caso, o homem tinha casas em duas cidades próximas e
morava com uma mulher diferente em cada local. Ele também
tinha um imóvel de lazer distinto
para levar cada mulher.
O juiz determinou a divisão dos
bens que o homem tinha em cada
cidade com a mulher que ele tinha
em cada uma delas.
Mesmo nesse caso, o homem
perdeu apenas metade de seus
bens -o mesmo que perderia se
tivesse apenas uma mulher.
Especialistas
"Não podem existir duas uniões
estáveis ao mesmo tempo porque
a entidade familiar, em nosso
país, tem base monogâmica. Se
não podem existir dois casamentos concomitantes, é evidente que
não podem ser atribuídos efeitos
jurídicos a duas uniões estáveis
que existam concomitantemente", afirma a advogada Regina
Beatriz Tavares da Silva, doutora
em direito civil pela USP professora da Universidade Mackenzie.
Ela ressalta, porém, que um dos
relacionamentos fixos pode ser
considerado "verdadeira entidade familiar" e gera efeitos jurídicos, sem que a outra união configure uma família. "Assim como
no casamento, em que não devem
ser atribuídos efeitos às relações
adulterinas, a relação que concorre com a entidade familiar formada pela união estável não tem efeito jurídico", diz Regina Beatriz.
"A união estável pressupõe a intenção de constituir família. Não
pode haver intenção de constituir
família se um dos companheiros
mantiver dois relacionamentos fixos, pois a lei brasileira não aceita
a bigamia", diz a advogada Maria
Hebe Pereira de Queiroz, especialista em direito de família.
Segundo ela, existe a possibilidade de um dos relacionamentos
ser reconhecido como união estável, principalmente se houver filhos. "Mesmo que o homem tenha dois relacionamentos fixos,
em alguns casos, a mulher consegue obter a partilha dos bens
quando prova que contribuiu para a compra deles."
A professora Flávia Piovesan,
doutora em direito constitucional
pela PUC-SP, diz que a finalidade
da lei que estabelece a união estável é atribuir responsabilidades
nos relacionamentos informais.
Para ela, os juízes "não operam
pedagogicamente" ao não reconhecerem o direito à pensão de
duas mulheres que tenham união
estável com o mesmo homem.
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