|
Texto Anterior | Índice
GILBERTO DIMENSTEIN
Atenção, candidatos: uma idéia óbvia para combater a violência
Metade das mortes entre
jovens de São Paulo, Rio de
Janeiro e Pernambuco são provocadas por assassinatos; a média
nas capitais, nessa faixa etária, é
de 43%.
Esse dado faz parte de estudo
divulgado na semana passada
pela Unesco, realizado com base
nas estatísticas de mortalidade
dos últimos dez anos, nas quais se
mostra o crescimento acelerado
do massacre na faixa dos 15 aos
24 anos de idade. Tradução: a delinquência juvenil está fora de
controle.
O artigo de hoje é a única sugestão concreta que me sinto em condições de oferecer aos candidatos
para minorar esse problema. Pretendo mostrar -com base na minha experiência pessoal de envolvimento com jovens e com crianças marginalizadas e como observador de políticas públicas e ações
de entidades não-governamentais- que existe uma saída tão
viável quanto óbvia para atenuar
o risco de violência. Chama-se
bolsa-jovem, inventada por muita gente, em diferentes lugares,
mas dispersa.
Não é necessário criar nada novo; basta articular melhor e com
mais profundidade o que já funciona. Nem se propõe a "cura" ou
uma solução miraculosa; todos
sabemos que, sem crescimento
econômico, qualquer ação social
é limitada. Assim como sabemos
que o crescimento por si só não
produz distribuição de renda.
Os três níveis de governo (federal, estadual e municipal), em
conjunto com a sociedade, conseguiriam evitar a entrada de milhões de brasileiros na delinquência se aplicassem um programa
de renda mínima para adolescentes a partir dos 15 anos nos guetos
de violência.
Tomam-se aqui emprestadas,
em parte, duas idéias bem-sucedidas: a bolsa-escola, que chega hoje a 10 milhões de crianças, e o
programa para retirar os menores do trabalho (Peti), que já tem
700 mil beneficiários.
Esse mesmo princípio deveria
ser reproduzido para os jovens,
que ganhariam um salário mínimo e continuariam na escola. Em
contrapartida, eles se comprometeriam a melhorar o bairro em
que moram: leriam histórias para
crianças, cuidariam de jardins,
fariam oficinas de grafitagem nas
escolas, cantariam rap ou promoveriam shows de música, teatro,
dança, por exemplo. Poderiam
atuar como agentes de saúde, de
esporte, de ambiente ou de educação.
Para realizar tais tarefas, eles
seriam tutorados pelas mais diferentes entidades com influência
no bairro, devidamente capacitadas. A contrapartida faria deles
líderes comunitários e, mais que
isso, indivíduos em processo contínuo de aprendizado complementar à escola.
Quem duvida do efeito desse tipo de atividade na vida do jovem
veja as notáveis conquistas de
programas como Agente Jovem e
Capacitação Solidária, ambos
criados pelo governo federal. O
PT desenvolveu, em São Paulo,
ações para mesclar trabalho com
educação entre os jovens -e,
mais uma vez, foram obtidos resultados palpáveis. Vários governos estaduais, entre eles o do
PSDB também de São Paulo, estão oferecendo recursos para o
primeiro emprego, combinados
com ações culturais de valorização do espaço público.
Em todos esses planos, o objetivo que se persegue é assegurar ao
jovem condições de descobrir e
exercer seu talento. Todos (vou
repetir, todos) os que acompanham tais experiências sabem como a música, a dança, o teatro, as
artes plásticas, a informática e os
esportes podem ser instrumentos
para produzir auto-estima.
A solução óbvia é escolher os
principais guetos de violência e
beneficiar pelo menos 3 milhões
de jovens, que significam no mínimo a metade dos jovens entre
15 e 19 anos que vivem nos bolsões
de violência de todo o país.
A partir dos cálculos de programas, em menor escala, em execução, cada bolsa-jovem sairia por
R$ 2.000, levando em conta o custo da tutoria. Isso significa um
gasto de R$ 6 bilhões por ano, a
serem rateados entre a União, os
Estados, os municípios e o chamado terceiro setor. Boa parte
desse dinheiro já está aí mesmo,
como as verbas do Fundo de Amparo ao Trabalho (FAT), do
BNDES, recurso ministerial destinado a ações que atendam a juventude, além das centenas de
programas de renda mínima realizados com verbas estaduais e
municipais.
Governadores e prefeitos têm
condições de melhorar aqueles
bolsões com obras de infra-estrutura e oferta de mão-de-obra
qualificada. Isso viabilizaria o
funcionamento de escolas nos fins
de semana, transformadas em
centros comunitários (algo que já
ocorre em várias cidades brasileiras -e com sucesso), o aprimoramento do programa de médicos
de família, que pode dar mais
atenção à prevenção das drogas,
a construção de quadras esportivas, a serem administradas por
educadores ou por assistentes sociais e a disseminação do policiamento comunitário.
Basta apenas que se formule
uma política nacional para a juventude e que o próprio presidente da República crie um fórum de
articulação de programas que envolva, a começar de seus ministros, a sociedade, os prefeitos e os
governadores. Seria, assim, lançada uma ofensiva de gueto em gueto. Essa é a verdadeira política de
segurança.
PS - Este artigo resulta da observação de várias experiências dentro e fora do Brasil. Basta ver, em
São Paulo, como centenas de grafiteiros, orientados por artistas
plásticos, já se transformaram em
agentes comunitários de artes.
Mas o que o deflagrou ocorreu
na quinta-feira à noite, quando
vi a apresentação de uma peça de
teatro de jovens da periferia de
Salvador. Em todo o processo de
aprendizado para a apresentação, eles se modificaram, mudaram de atitude e de interesse, passaram a projetar o futuro. E agora recebem salário mensal para
encenar em comunidades pobres
e escolas públicas e discutir temas
como violência, sexo, drogas, miséria. Não há nenhum motivo para que tal experiência não seja reproduzida por milhões de jovens.
E-mail - gdimen@uol.com.br
Texto Anterior: Entrevista - Anatomia: "Pessoas devem doar seus cadáveres em vida" Índice
|