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Sem vagas, diálise é feita de madrugada
Faltam de 3.500 a 4.000 vagas por ano para tratamento de hemodiálise, segundo a Sociedade Brasileira de Nefrologia
Quase 80 mil pacientes renais crônicos dependem do tratamento no país; muitos conseguem receber apenas uma sessão semanal
CLÁUDIA COLLUCCI
DA REPORTAGEM LOCAL
Pacientes internados em
hospitais sem necessidade ou
fazendo diálise nas madrugadas por falta de vaga, outros se
deslocando até 500 km por dia
para obter o tratamento e muitos esperando de dois a três
meses para ter acesso à terapia.
Esse é o retrato do serviço de
hemodiálise no país, onde são
atendidos quase 80 mil pacientes renais crônicos. Ao menos
10 milhões de brasileiros -a
maioria diabéticos e hipertensos- têm algum grau de disfunção renal, afirma a Sociedade
Brasileira de Nefrologia (SBN).
Os doentes renais dependem
de hemodiálise -máquina que
substitui a função renal- para
sobreviver enquanto aguardam
um transplante de rim. Em geral, precisam fazer três sessões
por semana, mas, diante da crise do setor, muitos estão recebendo apenas uma.
Segundo a SBN, há um déficit
de 3.500 a 4.000 vagas por ano
nos serviços de hemodiálise. O
setor reclama da falta de abertura de vagas pelo SUS e de
atrasos nos pagamentos.
Hospitais como o HC (Hospital das Clínicas) de São Paulo,
o hospital São Paulo e o hospital Santa Marcelina, todos da
capital paulista, estão "dialisando" doentes nas madrugadas por falta de vagas em outros
horários. Muitos pacientes
também só fazem hemodiálise
uma vez por semana, quando o
ideal seriam três.
Internação desnecessária
Nesses hospitais, há pacientes internados sem necessidade. Eles poderiam estar em casa
e ir a uma clínica apenas para
fazer as sessões de hemodiálise,
mas, na falta de vagas, ficam internados à espera de "encaixes". No Santa Marcelina (zona
leste), por exemplo, dez pacientes estão nessa situação.
"Eles fazem sessões [de hemodiálise] quando há uma vaga, às vezes de madrugada, e
menos vezes do que deveriam",
afirma o médico Rui Barata,
chefe do setor de nefrologia do
hospital Santa Marcelina.
Segundo ele, mesmo quando
conseguem vaga em uma clínica fora do hospital, muitos pacientes retornam à instituição.
"O indivíduo mora em São Mateus (zona leste) e consegue vaga no Jardim Paulista (zona
oeste). Tem que tomar várias
conduções para chegar. Desiste
e volta para o hospital."
No interior de São Paulo, a situação é ainda pior. Há pacientes de Itararé, por exemplo, que
viajam 488 km (ida e volta), três
vezes por semana, para fazer
sessões de diálise em Sorocaba,
por falta de vagas na região.
"Os médicos não têm para
onde mandar os doentes. Como
o renal crônico precisa de diálise para sobreviver, ou morre
sem tratamento ou é atendido
precariamente na emergência
dos hospitais, fazendo menos
tempo de diálise do que seria
necessário", diz Jocemir Lugon, presidente da SBN.
A médica Altair Lima, da sociedade paulista de nefrologia,
prepara um relatório sobre a
crise no setor, onde incluirá nomes de doentes renais que
morreram por conta da má assistência. O dossiê será entregue ao Ministério Público.
Lima defende que o país invista em programas de prevenção à doença renal. "Os grupos
de risco, como os diabéticos e
os hipertensos, não são alertados para isso. Na fase inicial da
doença, há tratamento e chance de cura. Não precisa ir para
diálise ou para transplante."
"Hoje, o paciente com pequena alteração da função renal
não consegue tratamento ou, se
consegue, é aquém do que precisa. Por isso, seu quadro acaba
se agravando", reforça Lugon.
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