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DANUZA LEÃO
Dançar: o problema?
Outro dia fiz um programa diferente.
Fui com amigos a um antiquário num casarão da rua do Lavradio (em plena Lapa, no centro do
Rio) que à noite funciona como
casa noturna com conjuntos de
samba e de choro, só música brasileira. Chegamos lá pelas 9h e o
conjunto musical -moças e rapazes- tocava músicas antigas
maravilhosas, que eu nem me
lembrava mais que existiam. O
movimento começa lá pelas 6h30
da tarde, com o pessoal que sai do
trabalho e vai tomar um chopinho; gente normal, modesta, familiar.
Já entrando na seara de Nassif,
quando vi, estava cantando (bem
baixinho) "Ai, ai ai, Isaura, hoje
eu não posso ficar, se eu cair nos
seus braços, não há despertador
que me faça acordar, eu vou trabalhar" -e por aí fui. Foi uma
viagem, e daí a pouco alguns casais começaram a dançar. Jovens,
menos jovens, mais velhos, todos
dançavam pelo prazer, pela alegria da dança.
Alguns caprichavam nos passos,
outros menos, e aí comecei a pensar em há quantos anos não dançava. E olha que eu gostava: não
podia ouvir uma música, qualquer que fosse o ritmo, que já começava a me balançar.
Saía na Banda de Ipanema, ia
aos bailes de Carnaval -uma
fantasia para cada um- e ainda
frequentava a vida noturna o resto do ano (sempre dançando).
Mas um dia isso acabou.
Nessa noite fiquei com inveja de
ver as pessoas tão soltas, tão alegres, na pista de dança. Inveja e
pânico: e se alguém me tirasse para dançar? Pensei que, se isso
acontecesse, eu ficaria paralisada,
em estado de choque. Quando
cheguei em casa -e no dia seguinte-, comecei a analisar seriamente o assunto.
Conversei com meu filho, que
me disse que se sente como eu:
não consegue mais dançar. Fui
perguntando aos amigos e às
amigas e todos me responderam
mais ou menos a mesma coisa:
"Dançar, eu? Por nada neste
mundo".
Pode parecer uma bobagem,
mas não é: por que tantas pessoas,
de todas as idades, encaram uma
pista de dança tão normalmente
e outras (como eu) seriam capazes de desmaiar se fossem apenas
convidadas para dançar? Será excesso de censura, vergonha, pudor, o que, afinal? Continuei falando sobre o assunto para ver se
encontrava o nó, mas não consegui. Mas ouvi de uma pessoa muito simples e muito sábia uma coisa de que gostei muito. Ele me disse: "Você pensa que passarinho
canta porque está alegre? Pois é o
contrário: passarinho é alegre
porque canta". Pensei logo: será
que as pessoas dançam porque estão alegres ou ficam alegres porque dançam? Pelo sim, pelo não
resolvi: vou tomar aulas de dança
de salão.
Não tenho a menor intenção de
chegar a um desses lugares e dar
um show na pista, nada disso.
Quero soltar uma coisa que está
travada dentro de mim e que tenho a certeza de que, se conseguir,
minha vida, se não mudar, vai
pelo menos melhorar -o que é
sempre bom.
Só que as coisas não são fáceis:
contatei o professor de dança,
marcamos para o próximo sábado às 5h da tarde, estou encantada com a idéia, mas me conheço:
no sábado, lá pela 1h da tarde,
vou começar a sofrer -de medo.
É ridículo, mas é assim que vai
ser: medo de conhecer pessoas que
nunca vi, vergonha de me levantar e dar uns passos no salão, medo de desmaiar, ter um ataque
cardíaco ou os dois juntos.
Mas hoje (estou escrevendo na
quinta) estou uma fortaleza e certíssima de que vou. E, para ajudar, vou escrever um papelzinho e
botar na carteira, dizendo que o
passarinho não canta porque é feliz: ele é feliz porque canta, e que
Deus me ajude.
Você deve estar me achando
uma boba, mas pare e pense: há
quanto tempo você não dança?
E-mail - danuza.leao@uol.com.br
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