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NARCOTRÁFICO
Simpósio ajudará médicos a lidar com dependentes; para especialista, preço da droga deve cair e atrair mais usuários
Heroína já preocupa psiquiatras brasileiros
ARMANDO ANTENORE
DA REPORTAGEM LOCAL
A heroína já se tornou alvo dos
profissionais que cuidam de dependência química no país. Entre
os dias 15 e 18 de outubro, em
Goiânia, a Associação Brasileira
de Psiquiatria (ABP) promoverá
um simpósio sobre a droga e outros derivados do ópio. A meta é
capacitar melhor os médicos para
o tratamento dos pacientes que se
viciaram -ou irão se viciar- naquelas substâncias.
O encontro chama a atenção
por lançar luz em um assunto
que, durante as últimas décadas,
não causou grandes inquietações.
Considerada um dos mais perigosos entorpecentes, a heroína está
ganhando espaço no Brasil há pelo menos dois anos.
O avanço ainda se revela lento,
quase desprezível, se comparado
com o das toneladas de cocaína.
Mesmo assim, preocupa não só os
médicos como os estudiosos do
narcotráfico.
Domingo passado, a Polícia Federal apreendeu 14,7 kg de heroína no rio Solimões (AM). O carregamento, oriundo da Colômbia,
tinha por destino o México. De lá,
o Cartel de Jalisco o enviaria aos
EUA e à Espanha.
Com a apreensão, sobe para
98,7 kg o montante da droga que a
Polícia Federal flagrou desde janeiro de 2001. A quantidade supera muitíssimo a interceptada entre 1990 e 2000 -período em que
apenas 13,7 kg de heroína caíram
na malha fina da polícia.
Existe, portanto, um forte indício de que o país virou rota do entorpecente. "Não se trata de indício, não. É um fato", defende Walter Maierovitch, ex-secretário nacional antidrogas, que hoje preside o Instituto Brasileiro Giovanni
Falcone de Ciências Criminais.
Ele explica que a Ásia e a Europa, principais mercados da heroína, compram especialmente a
produção de Mianmar (ex-Birmânia), do Laos, do Afeganistão,
do Vietnã e da Tailândia. Colômbia e México, que abraçaram o negócio no final da década de 90,
abastecem sobretudo os EUA. Para tal, aproveitam os trajetos da
cocaína, inclusive os que passam
pelo Brasil.
"Acontece que, tanto os norte-americanos quanto os europeus
começam a trocar a heroína por
ecstasy e similares. Aquela é uma
substância depressora, relaxa. Essas são psicoativas. Deixam o
usuário desperto, permitindo-lhe
dançar a noite inteira", prossegue
Maierovitch. "Em consequência
da nova moda, vai sobrar heroína
no Primeiro Mundo. Quem receberá o refugo? O Terceiro, claro."
Eis, então, o perigo. Se atualmente o país funciona como mero corredor da heroína (a maior
parte circula por aqui, mas não fica), poderá em breve se converter
num consumidor. "Foi assim que
se deu com a cocaína. Nos anos
80, servíamos de rota para o produto. Depois, acabamos nos
transformando em mercado",
lembra o psiquiatra Ronaldo Laranjeira, presidente da Associação Brasileira de Estudos do Álcool e Outras Drogas.
Um levantamento de 2001, realizado pela Universidade Federal
de São Paulo (Unifesp), sinaliza
que a oferta interna de heroína
ainda se mostra pequena. A pesquisa escutou 8.589 pessoas em
107 cidades e constatou que 2,3%
dos entrevistados utilizaram cocaína uma ou mais vezes na vida.
Cerca de 7% usaram maconha.
No entanto, somente 0,1% experimentou heroína.
A baixa oferta encarece a substância, que custa em torno de US$
100 a grama. "À medida que o refugo dos EUA chegar, o preço baixará", aposta Maierovitch.
Embora tímido, o tráfico já se
verifica entre os paulistanos. A
polícia local prendeu, em junho
de 2002, um empresário que negociava 10 gramas de heroína. Foi
a primeira detenção do gênero em
mais de uma década.
"No meu consultório de Pinheiros, tratei há pouco tempo de três
dependentes. Todos se viciaram
no Brasil, o que me surpreendeu.
Clinico desde 1987 e via apenas
casos de dependência adquirida
fora do país", conta a psiquiatra
Sandra Scivoletto, coordenadora
do Grupo Interdisciplinar de Álcool e Drogas da USP.
"Outros colegas dão testemunhos parecidos", afirma o também psiquiatra João Carlos Dias,
que organiza o simpósio da ABP.
"Daí o nosso interesse em discutir
o tema." O evento terá como principal palestrante o médico americano Eric Strain, que leciona na
Universidade Johns Hopkins.
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