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JUSTIÇA
Levantamento inédito analisou mais de 7 milhões de processos em SP; nos EUA, tramitação é 4 vezes mais rápida
Condenação por homicídio leva quase 4 anos
MARIO CESAR CARVALHO
DA REPORTAGEM LOCAL
O desempregado G.S., 23, não
quer nem ouvir em falar de atraso
da Justiça. "Roubaram três anos
da minha vida, mas esquece que
eu existo", diz. O pesadelo de G.S.
começou no dia 9 de janeiro de
2001, quando a polícia o incluiu
num grupo que se reunira para
resgatar presos num distrito em
São Paulo. Foi acusado de seis
tentativas de homicídio, formação de quadrilha, resistência e
porte ilegal de arma.
Testemunhas diziam que ele só
passara em frente da casa, a polícia confirmava que ele não tinha
antecedentes criminais, mas os
pedidos de liberdade para G.S. foram recusados pelo Tribunal de
Justiça de São Paulo, pelo STJ (Superior Tribunal de Justiça) e pelo
STF (Supremo Tribunal Federal).
No dia 13 de janeiro deste ano,
não houve nem julgamento de
G.S. -o promotor que deveria
acusá-lo desistiu do caso porque
não havia nenhuma prova. Foi libertado depois de passar 3 anos e
quatro dias na prisão (ou 1.099
dias). Em menos tempo (717
dias), a esquadra de Fernão de
Magalhães fez a primeira viagem
de circunavegação na Terra.
O caso de G.S. é quase uma caricatura da lentidão da Justiça, mas
o prazo em que ele foi julgado é
rápido para os padrões de São
Paulo. No Estado, são gastos, em
média, 1.431 dias (3 anos, 11 meses
e 6 dias) para mandar o autor de
um homicídio para a prisão,
quando se contabiliza o tempo
entre o inquérito policial e o início
do cumprimento da pena.
O prazo é a principal revelação
de um levantamento do Seade
(Fundação Sistema Estadual de
Análise de Dados) sobre o funcionamento da Justiça criminal entre
1991 e 1998. É a primeira pesquisa
brasileira que reúne dados da polícia, do Ministério Público, do Judiciário e do sistema prisional.
Para chegar aos dias gastos, foram
computados 7.255.314 processos,
armazenados na Prodesp (companhia estadual de processamento de dados). A pesquisa consumiu dois anos e meio de trabalho.
"Nossa idéia é dar transparência
a todas as fases do processo criminal. Só assim, as pessoas poderão
julgar se os prazos são razoáveis",
diz o sociólogo Renato Lima, que
conduziu o levantamento junto
com a estatística Eliana Bordini.
Comparados aos prazos dos
EUA, os 1.431 dias parecem nada
razoáveis. Um levantamento feito
há quatro anos em nove Estados
concluiu que Oakland, na Califórnia, tinha a corte mais vagarosa.
Ela gastava 282 dias, em média,
para julgar os crimes mais violentos, como homicídio e estupro.
É claro que não dá para comparar o sistema judicial dos EUA
com o brasileiro. Mas o fato de
Oakland julgar um homicídio em
1/5 do tempo gasto em São Paulo
sugere que há algo errado no sistema judicial brasileiro.
Sergio Renault, secretário da
Reforma do Judiciário do Ministério da Justiça, diz que vai propor
mudanças para agilizar o funcionamento da Justiça criminal. Os
principais problemas, segundo
ele, estão no Código de Processo
Penal, que regula inquéritos e
processos, e no gerenciamento:
"A gestão da Justiça é muito obsoleta. Os prazos dos processos não
são razoáveis".
Para Renault, o ideal seria o Brasil adotar parâmetros como os
existentes em outros países. Nos
EUA, por exemplo, a Associação
dos Tribunais Americanos determinou que o julgamento de um
homicídio não pode ultrapassar
12 meses. Lá, a reengenharia que
varreu o mundo corporativo na
década passada chegou à Justiça.
Em São Paulo, um réu solto que
entrasse até abril último com recurso no Tribunal de Justiça teria
de esperar quatro anos para saber
o resultado do julgamento.
O Tribunal de Justiça acumula
199.278 processos que aguardam
distribuição -ou seja, o envio
para a câmara que irá julgá-los. A
área criminal é a que tem menos
processos à espera de distribuição, segundo a assessoria de imprensa do órgão: são 25.598.
Em abril, o TJ decidiu criar 16
câmaras extraordinárias para diminuir a fila de processos. Elas
funcionarão nos próximos oito
meses, descontando julho, quando o tribunal está de férias. Até
abril, havia seis câmaras ordinárias e três extraordinárias.
As câmaras já reduziram de
quatro para três anos o tempo de
espera de um recurso de réu solto.
Para réu preso, o tempo de espera
da sentença será de três a quatro
meses, segundo o TJ.
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