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Padre celebra missas e procura misses no interior paulista
Jovens encontradas por padre Sílvio dos Santos, de Votuporanga, venceram vários concursos de beleza
Antes da ordenação, em 1970, o padre foi modelo e cantor na Europa; o primeiro desfile organizado por ele no país ocorreu em 1980
VINÍCIUS QUEIROZ GALVÃO
ENVIADO ESPECIAL A VOTUPORANGA
Todos os dias, quando começa a missa na igreja de Santa
Luzia, o padre Sílvio Roberto
dos Santos dá início a uma atividade paralela. Com um olho
no peixe e outro no gato, ele fica
atento ao público. Não para saber quais fiéis seguem a liturgia, mas para praticar uma segunda vocação: a de olheiro de
modelos. Além das missas, o
padre também tem talento para produzir misses.
Da paróquia de Votuporanga,
cidadezinha de 77 mil habitantes a 521 km de São Paulo, saíram vencedoras de concursos
como Miss Brasil Internacional, Miss Brasil Mundo, Miss
Beleza Brasil e várias edições
do Miss São Paulo, todas descobertas pelo padre entre um pastel na quermesse ou uma partida de bingo no bazar beneficente das beatas da igreja.
Com a graça do padre, a cidade tornou-se a Venezuela brasileira dos concursos de beleza: a
presença de candidatas locais
nas seleções de misses é quase
certa - e sempre temida.
A história do padre Sílvio
com a passarela vem do próprio
passado. Antes da ordenação,
na década de 1970, ele foi modelo e cantor na Europa. E foi
daí que surgiu o gosto assumido
pelos palcos, mantido desde
1980, quando organizou o primeiro desfile.
O interesse pelos concursos
de modelo é justificado na arrecadação de fundos e na promoção de obras assistenciais, como uma oficina profissionalizante para mães e uma fazenda
para recuperação de dependentes químicos. Apesar da estranheza, segundo o padre, as
carreiras parecem ser divinamente complementares.
Fama
"A igreja está presente na
cultura para evangelizar. Esse
meio é sujo, há muita prostituição por trás disso. Não faço coisas para aparecer. Em nenhum
momento me passou pela cabeça ter fama", diz, para em seguida reconhecer que é "famoso".
"Já apareci no programa do
"Clodovil", na "Hebe", no "Ratinho" e no "Alô, Christina'", contabiliza nos dedos o padre.
Num passeio pela rua do comércio de Votuporanga, um tal
Valdir diz: "Sílvio, descobri
uma miss linda, que veio de
Goiás. Alta, loira, tem 1,82 m."
E o padre não deixa as meninas ao deus-dará. Para não fazer feio ao desfilar por aí e para
aquelas que não têm traquejo
com o negócio, ele dá as dicas.
"O segredo é treinar essas
meninas desde a infância: ensinar passarela, inglês, dança,
[elas] têm de traquejar", diz.
"Tenho uma bagagem de miss,
com alfinete, band-aid, fita crepe, despertador para acordar
cedo e se produzir", completa.
Atual Mister Brasil Mundo,
Vinícius Ribeiro, 26, diz que foi
o único a levar óleo corporal ao
concurso, orientação do padre.
"Ele diz para eu mostrar segurança e dá muitos conselhos", afirma Ariadne Mariotti,
18, primeiro lugar num concurso de beleza de Votuporanga na
semana passada.
Num vídeo que circula pela
internet, padre Sílvio ensina a
parada na passarela (de lado,
para não parecer gorda na foto), a boa postura (projetando o
queixo para frente), como posar para os fotógrafos e para os
jurados (com sorriso), a virada
(olhando sempre para frente,
mesmo depois de dar as costas)
e o detalhe do pezinho (quebrando o corpo na planta do pé
direito, com joelho flexionado).
"Em vez do xis, as mulheres
falam pênis; os homens, xereca.
Fica uma coisa alegre. Outra
coisa é o quadril para frente,
nunca para trás, senão fica parecendo tanajura", ensina.
Hoje, o padre é dono da franquia nacional do concurso Miss
Estudantil. Por seis anos ele dirigiu o Miss São Paulo, do qual
teve de se afastar por incompatibilidade com as atividades paroquiais. E também gerencia a
carreira das novatas, indicando
qual o melhor concurso para o
perfil de cada uma.
Depois de uma visita do padre Sílvio à Venezuela, conhecido celeiro de misses universo,
Votuporanga venceu por dois
anos consecutivos os concursos de Miss Beleza São Paulo e
de Mister Brasil Mundo.
Vaidoso até o último fio de
seda de sua batina, o padre tinge os cabelos brancos, usa dois
cremes anti-rugas -um pela
manhã, outro à noite- e faz
aplicações de laser contra rugas
e manchas na pele.
E a vaidade não é pecado?
"Considero isso uma arte. Todo
ser humano busca beleza", diz.
Padre pelo avesso
A diferença do padre Sílvio é
notada até na igreja, projetada
por ele mesmo. Em vez da cruz
tradicional cristã, o símbolo da
paróquia é um tridente, em alusão à santíssima trindade, com
um furo no meio para representar a eucaristia.
"Não fui feito para ser pároco, para coordenar a paróquia.
Sou um missionário. De certa
forma, sou um padre pelo avesso", ele ri.
"Pelo avesso" explica a sua
simpatia por "sapatões", o que
surpreendeu até o bispo, o sindicato gay, grupo de homossexuais que reúne para reflexões
bíblicas, e as visitas às zonas de
prostituição da cidade. Depois
de um desentendimento com a
cafetina porque as meninas estavam se casando, foi obrigado
a parar a catequização.
Um sorriso, padre, pede o fotógrafo. "É o que sei fazer. Desconheço o que é o sofrer. A beleza é a minha alegria."
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