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Pesquisa em Paulínia, cidade que foi transformada em laboratório contra o alcoolismo, mostra que 90% dos bares não controlam idade de quem consome bebidas
Álcool ao alcance de adolescentes
CLÁUDIA COLLUCCI
AURELIANO BIANCARELLI
DA REPORTAGEM LOCAL
O adolescente encontra todas as
portas abertas para o álcool. Quase nenhum bar restringe a venda
de bebida alcoólica a menores de
18 anos, como determinam o Estatuto da Criança e do Adolescente e o Código Penal.
Em abril passado, um grupo de
cinco adolescentes, de 14 a 17
anos, cabulou aula para jogar sinuca e beber vodca com soda limonada em um bar.
Duas das garotas do grupo foram parar no pronto-socorro em
coma alcoólico. Os demais, se estivessem em idade de dirigir, poderiam ter se matado ou matado
outros pelo caminho.
O episódio ocorreu na cidade
eleita para ser estudada como um
microcosmo da realidade brasileira no quesito álcool. Desde o
início do ano, Paulínia (126 km a
noroeste de São Paulo) se transformou em laboratório para a redução do consumo de bebidas alcoólicas e dos seus danos.
O modelo, que se propõe a unir
educação e repressão -como
multas e fechamento de bares-,
é fundamentado em conceitos
norte-americanos, mas criticado
por especialistas tanto dos EUA
quanto da Europa e do Canadá.
Para os críticos, o modelo não
educa, apenas "adestra" os cidadãos a se comportarem de forma
a fugir das punições.
O projeto piloto que é desenvolvido em Paulínia, cidade que ocupa o quarto lugar no ranking de
arrecadação de ICMS no Estado, é
coordenado por pesquisadores da
Unifesp (Universidade Federal de
São Paulo), com apoio da Fapesp
e da prefeitura da cidade.
Venda livre
A primeira etapa do projeto mapeou todos os 288 locais de venda
de bebidas alcóolicas da cidade.
Nas entrevistas realizadas com os
responsáveis pelos bares, um dado impressiona: 90,4% deles não
conferem a idade do adolescente
antes de vender a bebida.
Os dados são muito parecidos
com os de outra pesquisa, do Cebrid (Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas), de 1997, em que apenas 0,9%
dos estudantes de escolas públicas de dez capitais brasileiras relataram enfrentar dificuldades para
adquirir a bebida.
"Nunca pedi carteira de identidade. Quando parecem menores
de idade, não vendo", afirma Josefa Mello Silva, 51, proprietária
de um bar no bairro São José, que
concentra 10% de todos os bares
do município.
Na última quinta-feira, um grupo de cinco crianças e adolescentes jogava sinuca e fliperama no
bar de "dona Josefa". Um deles,
B., 9, disse que o primeiro contato
com a bebida foi há dois anos por
meio do pai. "Ele me deu meia latinha de cerveja", afirma.
Essa é também uma realidade
nacional. A pesquisa do Cebrid,
que ouviu 14.636 estudantes de 10
a 18 anos, mostra que 34% deles
beberam pela primeira vez na
própria residência, e a bebida foi
oferecida pelos pais.
Segundo o psiquiatra Ronaldo
Laranjeira, presidente da Abead
(Associação Brasileira de Estudos
do Álcool e outras Drogas) e que
coordena o trabalho que é realizado em Paulínia, quanto mais cedo
for o contato da criança com o álcool, mais rapidamente ela tende
a se tornar um dependente.
Enquanto o adulto demora em
média cinco anos para se viciar, a
criança ou o adolescente só precisa de dois, diz Laranjeira.
A cidade e o álcool
Além do mapeamento dos bares, o projeto em Paulínia vai pesquisar o consumo de álcool entre
os 10 mil alunos das redes estadual, municipal e particular e a relação entre a bebida e as ocorrências no pronto-socorro da cidade.
Segundo o psiquiatra Marcos
Romano, pesquisador da Unifesp
e participante do projeto, a idéia é,
a partir do retrato de como a cidade se relaciona com o álcool, propor intervenções comunitárias recomendadas pela Organização
Mundial da Saúde.
Um exemplo, afirma Romano,
foi a constatação de que um terço
dos bares da cidade era irregular.
A partir disso, a prefeitura notificou os proprietários e está fechando os estabelecimentos que não
regularizaram a sua situação.
Segundo Dauro de Oliveira Machado, 35, assessor especial para
assuntos jurídicos da Prefeitura
de Paulínia, pelo menos 30 bares
já foram fechados.
O próximo passo, diz ele, será
propor projeto de lei que limite o
número de bares seguindo restrições da lei de zoneamento da cidade. Também está sendo estudada a aplicação da "lei seca", que
obriga os bares a fechar as portas
a partir das 22h.
Outro exemplo da atuação do
poder público na redução dos danos provocados pelo álcool foi verificado no último Carnaval, realizado no sambódromo da cidade.
No ano passado, segundo Machado, foram registrados 101 casos de alcoolismo e 49 agressões,
provocadas direta ou indiretamente pelo consumo de álcool.
Neste ano, a prefeitura proibiu a
venda de bebidas destiladas no
sambódromo e fixou em R$ 2 o
preço da latinha de cerveja e em
R$ 5 o coquetel com vinho.
Resultado: as ocorrências por
alcoolismo caíram para 35, e as
agressões, para seis.
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