|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
ABUSO POLICIAL
João Luiz Duboc Pinaud diz ter certeza de que comerciante foi espancado
Tortura é uma prática no Brasil, afirma secretário
FERNANDA DA ESCÓSSIA
DA SUCURSAL DO RIO
O secretário estadual de Direitos
Humanos do Rio, João Luiz Duboc Pinaud, 72, disse não ter dúvida de que o caso do comerciante
chinês naturalizado brasileiro
Chan Kim Chang foi um crime de
tortura. "A tortura é uma prática
no Brasil", afirmou Pinaud.
Na semana passada, ele divulgou o primeiro laudo atestando o
espancamento de Chang, quando
a polícia e autoridades penitenciárias falavam em autolesão.
Chang foi preso no aeroporto,
em 25 de agosto, quando tentava
embarcar com US$ 30 mil sem declará-los. Levado para o presídio
estadual Ary Franco (zona norte),
um centro de triagem de presos,
foi encontrado inconsciente.
Morreu na quinta, com traumatismo craniencefálico, e o governo
reconheceu que sua morte foi
causada por espancamento.
Advogado criminalista, atuando há 40 anos em direitos humanos, Pinaud é ex-secretário de
Justiça do Rio, professor aposentado da Universidade Federal Fluminense e ex-presidente do Instituto dos Advogados Brasileiros.
Folha - O sr. considerou surpreendente um crime de tortura no Rio?
João Luiz Duboc Pinaud - Surpreendente não, porque é uma
prática. Os agentes, os guardas,
têm mecanismos para estabelecer
ordem nos presídios. Não pode
ser a violência. O preso tem de ser
respeitado na sua dignidade. A
tortura ainda é uma prática que
deveria ser coibida, punida.
Folha - O que torna a tortura uma
prática no Brasil?
Pinaud - Ela está ligada à corrupção. A tortura espelha o irracionalismo, o que se chama de reatividade primitiva, quer dizer, a violência primitiva, a exacerbação
dessa violência. Mas, no seu exercício, significa instrumento de garantir corrupção. Além dos outros componentes. Ela [tortura]
tem o seu lado patológico.
Folha - O sr. vê alguma herança
do período militar (1964-1985)?
Pinaud - Vejo uma herança, sim,
da fase da ditadura militar, que
cala, afasta a consciência das pessoas. Eu achei que, nessa questão
do senhor Chan, era o caso de
mostrar que não se está mais num
período de ditadura. A tortura
tem esse componente policial de
[ser instrumento] para descobrir
pretensos crimes ou crimes verdadeiros, mas isso é furado, há
métodos científicos de apuração.
No caso do senhor Chan, isso será
apurado. A luta contra a tortura
deve ser feita de modo transparente, discutida com a mídia. Por
isso divulguei o laudo, para a sociedade saber o que se passa.
Folha - Isso não criou um constrangimento no governo?
Pinaud - É, um secretário de Estado [Astério Pereira dos Santos,
de Administração Penitenciária]
me fez críticas de que teria sido
precipitação. Mas seria precipitação ou necessidade colocar na
pauta uma coisa tão grave como
uma tortura num Estado democrático? Eu não me arrependo.
Folha - O caso será investigado
como homicídio qualificado, apesar de existir uma lei que tipifica a
tortura, a lei 9.455.
Pinaud - A meu ver, é um caso de
tortura, está exatamente dentro
do quadro dessa lei. Ele estava sob
a guarda, houve suplício por muito tempo, não foi um ato momentâneo. Houve omissão de socorro.
Houve um ato de eficácia, que foi
colocar numa delegacia especializada [Homicídios]. O Estado está
dando uma resposta eficiente.
Agora, numa visão geral, a luta
contra a tortura exige que se dê o
nome aos bois. Tortura é tortura.
Folha - Mas o sr. tentou colocar
como tortura na reunião com a governadora?
Pinaud - Isso não foi discutido.
Como o próprio Álvaro Lins [chefe de Polícia Civil] disse, é um futuro que pode ser formulado [a
acusação de tortura].
Folha - Será possível apontar os
culpados?
Pinaud - Sim, existem dados para isso. Eu acredito no rigor e na
celeridade dessa apuração.
Texto Anterior: Mortes Próximo Texto: Violência sexual: Ação federal tem "enfoque míope", diz médico Índice
|