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VIOLÊNCIA SEXUAL
Para secretário-executivo da Abrapia, problema maior é abuso cometido dentro de casa, e não a prostituição infantil
Ação federal tem "enfoque míope", diz médico
MAURO ALBANO
DA AGÊNCIA FOLHA
A estratégia adotada pelo governo Lula para enfrentar a violência
sexual contra crianças e adolescentes tem um "enfoque míope" e
ignora que, nessa área, o problema majoritário no Brasil e no
mundo é o abuso cometido dentro de casa -e não o turismo sexual ou a prostituição infantil.
A opinião é do pediatra Lauro
Monteiro Filho, 66, secretário-executivo da Abrapia (Associação
Brasileira Multiprofissional de
Proteção à Infância e à Adolescência), a ONG responsável, durante seis anos, pelo disque-denúncia de casos de violência sexual. "Os oito primeiros meses de
governo já foram perdidos nessa
área", disse ele.
No dia 3 de janeiro, em sua primeira reunião ministerial, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva
(PT) determinou ao ministro
Márcio Thomaz Bastos (Justiça)
que desse prioridade ao combate
à prostituição infantil.
Segundo Monteiro Filho, o
acompanhamento das estatísticas
a partir de 1997 mostra que o abuso sexual (violência praticada por
pessoas próximas ou de confiança
da criança ou adolescente) motiva
em média 60% das denúncias, enquanto a exploração sexual
(quando o corpo do menor é usado com fins comerciais, como na
prostituição infantil) responde
por 40%.
Desde 16 de maio deste ano, o
disque-denúncia passou a ser administrado pela Secretaria Especial dos Direitos Humanos. Das
1.011 denúncias de violência sexual recebidas, de maio até o dia
29 de agosto, 705 (69,7%) eram de
abuso sexual, contra 306 (30,3%)
de exploração sexual.
"O abuso sexual acontece entre
quatro paredes, é muito difícil de
denunciar. Mesmo assim, a situação [de violência sexual] mais denunciada no Brasil é o abuso",
disse Monteiro Filho.
Para o pediatra, que trabalha
com violência sexual há mais de
20 anos, o governo erra -com a
anuência da maioria das ONGs
que se dedicam ao tema- ao
concentrar esforços majoritariamente no combate à prostituição
infantil. "Há um enfoque míope
por parte das autoridades, subsidiado por várias ONGs, que insistem em focar a violência sexual só
sob a ótica policial e judicial."
O Ministério da Justiça tem
coordenado operações conjuntas
entre Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal e Ministério Público para combater a prostituição infantil, geralmente em feriados como o Carnaval.
"É uma opção pela saída mais
fácil, pelo modo de ganhar a mídia mais rapidamente. O enfoque
policial e judicial desvia a atenção
do enfoque correto, que é a prevenção", afirmou Monteiro Filho.
"Tem de agir antes da polícia."
Ele defende ações conjuntas entre ministérios como o da Educação e o da Saúde para que a criança e a família sejam "precocemente" informadas sobre abuso sexual. "O abuso atinge crianças de
3, 4 anos, o que leva a um desenvolvimento sexual equivocado e a
uma baixa auto-estima. Isso favorece a venda da criança como
uma mercadoria -ela percebe
que pode ganhar alguma coisa
com seu corpo, que não valeu nada dentro da família. O abuso é a
porta de entrada para a prostituição infantil."
O pediatra critica também a ênfase dada ao combate ao turismo
sexual. "É um problema minoritário, não chega a 2% das denúncias", disse.
Segundo Monteiro Filho, em
70% dos casos de abuso denunciados, o crime é praticado pelo
pai, padrasto, avô ou tio. "O Brasil
está na fase da negação da realidade, pela qual os EUA passaram 20
anos atrás, quando começaram a
enfrentar o abuso sexual." "Se tivéssemos um disque-denúncia
eficiente, não haveria cadeia suficiente para todos os abusadores."
Com a administração da Secretaria Especial dos Direitos Humanos, o número do disque-denúncia continuou o mesmo (0800-990500), mas o horário de atendimento -antes 24 horas- ficou
restrito das 8h às 18h.
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