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GILBERTO DIMENSTEIN
Se você acha que o MST incomoda, prepare-se
O protesto de estudantes
secundaristas que paralisou, na semana passada, a cidade
de Salvador e deixou desnorteados os governantes indica a existência de um movimento muito
maior do que se imagina.
Ainda embrionário, esse movimento não ficará restrito a Salvador e, menos ainda, a um protesto
contra o aumento das tarifas de
ônibus. É apenas o começo da
inevitável mudança da agenda
brasileira de insatisfações sociais.
Os estudantes ensaiam os primeiros passos para sair da pasmaceira e assumir o papel de protagonistas em uma ofensiva contra as deficiências da educação
pública, as dificuldades de entrar
nas melhores faculdades e a escassez de empregos.
Sem uma liderança, eles agiram
motivados por algo concreto, livres de contaminação partidária
e ideológica, mostrando o que os
estudantes, inconformados, são
capazes de fazer para melhorar
suas condições de vida.
A agenda dos sem-terra é velha,
anacrônica, parte de um Brasil
agrário. Não são poucos os estudiosos defensores da idéia de que
assentar famílias é uma atitude
humanitária, mas, ante a complexidade da estrutura produtiva,
com baixo efeito econômico.
No Brasil contemporâneo, jovens pobres, na luta pelo emprego, transformam as noites das
metrópoles: trabalham de dia para estudar durante a noite. Enquanto esse Brasil parava as ruas
de Salvador, um Brasil anacrônico, no Congresso, mais uma vez
subia impostos que ameaçam parar o país.
Na semana passada, mais dados revelaram o Brasil contemporâneo. O Censo Escolar, preparado pelo MEC, mostrou que, neste
ano, o número de matrículas do
ensino médio cresceu 5%. Aliás,
nada denuncia de modo tão flagrante as demandas do que o
crescimento de 12% das matrículas em cursos para jovens e adultos, conhecidos antigamente como supletivos.
Prossegue, assim, uma das tendências mais relevantes da paisagem social brasileira: atualmente,
cerca de 8 milhões de brasileiros
estão no ensino médio. É gente
com mais informação e mais exigente. Muitas dessas pessoas conseguem entrar nas faculdades privadas, poucas nas públicas.
Por causa da mudança dessa
paisagem, é um óbvio erro acabar
com o ranking de cursos universitários, como foi proposto pela comissão que, na semana passada,
sugeriu alteração do provão.
Quem não se deixa levar pelas
artimanhas partidárias e corporativas sabe que acabar com o
ranking de notas prejudica, em
especial, aqueles estudantes mais
pobres que chegaram à faculdade
privada.
Quem mais ataca o teste são as
universidades públicas -as melhores- e a União Nacional dos
Estudantes (UNE), ícones do corporativismo do Brasil velho, no
qual o Estado não pára de sugar
de quem trabalha.
Mas quem, de fato, sofre com o
ranking são as faculdades privadas medíocres, que, desde a implantação do provão, perdem
alunos, alertados para a arapuca.
Curioso movimento: professores
das universidades onde estão os
mais ricos, com as bênçãos da
UNE, lideram um processo para
prejudicar os mais pobres. O motivo disso não é, claro, maldade,
mas apenas falta de percepção do
Brasil contemporâneo.
Os jovens de Salvador mostraram uma articulação estudantil
que há décadas não se via e revelaram o poder dessa baixa classe
média, no limite da pobreza, mas
com maior escolaridade. Esse segmento produz a explosiva química de alta expectativa -aposta
no ensino com mais consciência
dos direitos- com poucas possibilidades num país de educação
elitizada. Além disso, no final, depois de tanto esforço, esses jovens
esbarram na falta de vagas no
mercado de trabalho.
Se você acha que o MST, do
Brasil velho, distante das metrópoles, já faz barulho, espere para
ver o que esses jovens, frustrados e
escolarizados, vão fazer quando
reproduzirem, em escala nacional, o efeito Salvador.
É só uma questão de tempo.
PS - Por falar em educação e
Brasil contemporâneo: realizada
pelo Sistema de Ensino Anglo,
uma pesquisa preliminar com 11
mil entrevistas, em centenas de cidades, revela o maior temor dos
pais das classes média e alta. Indagados sobre os fatores que os
fariam tirar seus filhos de uma escola, quase 70% apontaram as
drogas e, em um bem distante segundo lugar (44%), o valor das
mensalidades. Dos problemas que
envolvem a saúde da família,
72% apontaram o temor do uso
de drogas. Todos pagam mensalidade, e a maioria deles diz que,
para não deixar que acabem numa escola pública, vale "qualquer
sacrifício". Trechos da pesquisa
estão no www.aprendiz.org.br.
E-mail - gdimen@uol.com.br
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