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DANUZA LEÃO
Vida mais simples
Por força das circunstâncias, das escolhas, do destino
talvez, quantas pessoas ela chegou a conhecer durante a vida?
Poucas, na verdade.
Algumas amizades ficaram:
umas da fase da loucura, outras
do tempo em que só pensava em
moda, ou queria derrubar a ditadura, ou acreditava no futebol de
domingo. A verdade é que, por
mais que tenha tido oportunidade de cruzar com gente de várias
classes, idades e até mesmo países,
quando pensa na população do
mundo, chega à conclusão de que
é mínimo o número de pessoas
que conhece. Umas cem? Duzentas, 300 talvez? Daí talvez a curiosidade de saber da vida dos famosos, a avidez com que devora biografias e até compreende o sucesso das revistas de fofocas, que falam dos ricos e poderosos.
Um dia foi trabalhar numa
grande empresa e teve a chance
de conhecer gente de todo o tipo:
dos poderosos chefões até os modestos que ganham muito pouco,
e conviveu com realidades das
quais só tinha ouvido falar -pessoas para quem no fim do mês
uma passagem de ônibus ou uma
barra de chocolate faz diferença.
Sabe (e até preferiria não saber)
que a colega com quem divide
problemas familiares, romances e
receitas está toda feliz porque vai
poder comprar um microondas
com o 13º (em cinco vezes) e vê
que tudo que ouviu falar da vida
dos mais pobres é um pouco mais
real do que imaginava.
Se habituou a ouvir os planos de
fim de semana nas tardes de
quinta-feira; enquanto os mais
poderosos -e consequentemente
com mais responsabilidades- se
diziam exaustos, estressados e só
queriam saber de se espichar num
sofá durante dois dias para relaxar, os mais modestos sonhavam
com a sexta-feira à noite, para
emendar num chopinho antes de
ir para casa.
"Tchau, tchau, bom fim de semana." Uns (ela inclusive) pegavam os seus carros, ligavam o ar-condicionado e iam ouvindo um
CD, enquanto outros saíam a pé
para o ponto do ônibus; cada um
para a sua vida, esquecidos de
que, durante a semana, dividiram as preocupações sobre a febre
do filho ou o namorado que
aprontou. Mas o interessante
mesmo era ouvir os relatos da segunda de manhã.
As primeiras horas de trabalho
eram passadas contando a programação dos últimos dois dias.
Os de vida mais confortável (como ela) tinham histórias parecidas. Ou foram ver um show "uma
droga", ou foram a uma festa
"com as mesmas pessoas de sempre". Aí, no domingo, comeram
um peixinho no sal grosso com
uma salada -a eterna dieta-,
rezando para a segunda-feira
chegar logo; uma chatice esse tal
de fim de semana.
Já os outros -você sabe
quais- chegavam contando que
se divertiram muito; sempre aparecia o cunhado, com um carro
velho cheio de crianças, e iam todos a uma praia ali perto, a 120
quilômetros de distância. As mulheres, que nunca malharam, cuidavam dos comes e bebes (como
sempre), e a mala ia cheia de esteiras, barracas, isopor com cervejas, limões, gelo, uma garrafa de
cachaça para uma caipira e pacotes de biscoito de polvilho.
Passavam o dia rindo, os homens jogando bola, e voltavam
amontoados e sujos de areia
-120 quilômetros com trânsito-, suando, as crianças dormindo no colo; a outra ouvia espantada e com uma certa inveja,
mas também com a certeza de
que preferiria morrer a fazer um
programa desses.
E pensando que seria bem mais
feliz se tivesse uma cabeça mais
simples.
E-mail - danuza.leao@uol.com.br
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