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ENTREVISTA
Vaticano e Bush são aliados contra os direitos da mulher, afirma ONG
AURELIANO BIANCARELLI
DA REPORTAGEM LOCAL
Nove anos anos atrás, quando se
realizou o encontro do Cairo,
uma das maiores ameaças aos direitos sexuais e reprodutivos das
mulheres vinha da Igreja Católica.
Agora, o Vaticano ganhou um
aliado de grande peso: o governo
do presidente George W. Bush.
O alerta foi feito na Assembléia
da Rede Latino-Americana da
ONG Católicas pelo Direito de
Decidir, que terminou na sexta-feira em Atibaia (SP). O grupo já
existe há dez anos no Brasil e foi
criado nos EUA há três décadas.
São pessoas católicas que buscam
justiça social e mudanças de padrões culturais e religiosos. Não
acatam muitas das decisões do
Vaticano, mas não abrem mão de
sua condição de católicas.
Entre as bandeiras do grupo, está o direito de serem ordenadas
sacerdotisas, defendem que os padres possam se casar e atribuem à
mulher o direito de decidir sobre
o aborto e a contracepção.
Também defendem a união civil dos homossexuais, condenada
em documento pelo Vaticano.
Em carta aberta divulgada na sexta, as Católicas pelo Direito de Decidir atacam o pronunciamento
feito pela igreja na última segunda-feira, condenando o uso do
preservativo exatamente no Dia
Mundial de Luta contra a Aids. "A
mensagem do Vaticano chega a
citar os hospitais e casas de apoio
que a igreja mantém para cuidar
dos doentes de Aids, mas, ao condenar o preservativo, ela mesma
participa da condenação dessas
pessoas", diz a socióloga Maria
José Rosado, presidente da ONG
no Brasil.
A principal bandeira das Católicas é o direito ao aborto, como
forma de a mulher decidir sobre o
próprio corpo. De acordo com a
Rede Feminista de Saúde, são realizados no Brasil cerca de um milhão de abortos em situações
clandestinas por ano. Cerca de
250 mil mulheres são internadas
por ano na rede pública por abortos provocados. Segundo o Instituto Alan Guttmacher, uma ONG
norte-americana, 4 milhões de
abortos clandestinos são feitos na
América Latina e no Caribe.
Rosado acha que tanto a igreja
quanto os Estados que não providenciam cuidados devem ser responsabilizados pelas mortes provocadas por abortos clandestinos
e pela Aids decorrente do sexo
desprotegido. "Os dois casos são
problemas graves de saúde pública", afirma. "O aborto é a terceira
causa de morte materna na país,
um fato totalmente inaceitável,
pois nenhuma mulher deveria
morrer por isso."
Abaixo, trechos da entrevista:
Folha - A Conferência do Cairo,
em 1994, foi vista como um grande
avanço para os direitos das mulheres. Como está a situação agora?
Maria José Rosado - Na época,
havia uma situação bastante favorável, e 197 países assinaram a
declaração se comprometendo a
avançar na questão dos direitos
da mulher. Estamos agora preparando as reuniões do "Cairo+10",
que ocorrerão no próximo ano,
em situação completamente desfavorável. O Vaticano encontrou
no governo Bush um aliado civil
que assumiu suas posições.
Folha - A carta aberta divulgada
pela assembléia de Atibaia é toda
dedicada à posição da igreja quanto à camisinha.
Rosado - A mensagem do Conselho Pontifício para a Pastoral da
Saúde provoca indignação. Como diz a carta, o documento vê a
Aids como uma "uma patologia
do espírito", afirma, mais uma
vez, que a causa de sua expansão é
o hedonismo, a sexualidade livre
e a ausência de valores morais,
reafirmando que a castidade, a fidelidade e a abstinência são as as
formas mais eficazes de prevenção. Mas a igreja -como diz a
carta- não pode continuar pretendendo ser a instância ética que
fala ao mundo, quando tem sido
protagonista de abusos sexuais
de menores e quando nega os direitos sexuais das mulheres.
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