|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
SP 450
Publicitário relembra São Paulo como uma "cidade apaixonante" e prepara livro
para resgatar fatos e personagens ilustres
Para reviver uma época de ouro
LUIZ CAVERSAN
DA REPORTAGEM LOCAL
Quando chegou a São Paulo, no
começo dos anos 50, o catalão
Francesc Petit ficou impressionado com o jeito da cidade.
Era tudo muito limpo, arrumado, com um aspecto mais bem
cuidado do que sua Barcelona natal, naquela época uma cidade repleta de mazelas comuns na Europa do pós-Segunda Guerra.
Cinquenta anos depois, Barcelona acabou se tornando uma das
mais belas e amigáveis cidades do
mundo, enquanto São Paulo perdeu charme e foi abandonada à
própria sorte.
O que não desapareceu completamente foi o encanto que a cidade ainda desperta no artista plástico, publicitário, sócio e diretor
de criação da Duailib, Petit e Zaragoza, agência que fez história na
publicidade brasileira e que formou mais de uma geração de profissionais nos últimos 35 anos.
Tanto que Petit prepara um livro sobre São Paulo, para ser lançado nos 450 anos da cidade, que
será baseado justamente no depoimento daqueles que vieram de
fora, aqui se instalaram e nunca
mais partiram.
"São Paulo parece o filme "O
Anjo Exterminador", do Buñuel",
afirma Petit, referindo-se à instigante obra do cineasta espanhol
cujo enredo é o seguinte: a alta
burguesia de uma cidade mexicana se reúne para uma festa de gala
e, inexplicavelmente, não consegue mais sair do local.
No caso de São Paulo, trata-se
de um local que mudou muito em
meio século.
"São Paulo era sobretudo uma
cidade elegante. As pessoas se vestiam de maneira elegante, inclusive o proletariado andava bem arrumado, com sapatos limpos,
chapéu. Na periferia, as casas proletárias eram tão civilizadas que
nós moraríamos ali perfeitamente
hoje. Era uma cidade maravilhosa
comparada à Barcelona que eu
havia deixado para trás."
Pão com banana
Quando saiu da cidade espanhola, Petit quase foi parar em
Honduras, o destino primeiro de
seu pai (um metalúrgico especializado em forja artística), sua mãe
e os dois irmãos mais velhos, Jaime e José. "Um amigo do meu pai
acabou convencendo-o a mudar
o destino para cá, e aqui chegamos depois de cruzar o Atlântico
no porão de um navio. Meu pai tinha no bolso talvez o que seria hoje um salário mínimo."
O destino dos Petit foi a casa de
uma família espanhola que morava na rua Guaiaúna, via que praticamente marca até hoje o final do
Tatuapé e o começo da Penha, na
zona leste da cidade, aos pés da
colina em que se encontra a tradicional igreja local, a de Nossa Senhora da Penha.
"Ficamos algum tempo meio
acampados naquela casa, dormindo no chão mesmo, e depois
nos mudamos para um casebre
do outro lado da linha do trem.
Foram três meses à base de pão
com banana, até que meu pai e
meu irmão mais velho arrumassem empregos."
Ele mesmo começaria a trabalhar em breve, dando sequência à
incipiente carreira de desenhista
publicitário trazida da Espanha.
Dessa época, além dos sobradinhos típicos da Penha, "todos arrumadinhos um do lado do outro", Petit guarda na lembrança o
primeiro passeio que fez nas redondezas: "Passei em frente de
uma casa e da janela saía o som de
um rádio que tocava uma música
do Francisco Alves".
Outra coisa que Petit trouxe de
seu país natal foi a paixão pelo ciclismo. Havia sido campeão por
lá e, ainda em 1952, participou de
uma prova promovida em um velódromo construído no Anhangabaú. Foi o vencedor da disputa.
O primeiro emprego ele arrumou em uma loja de placas e cartazes de publicidade localizada na
rua Riachuelo e da qual, seis meses depois, era já o chefe dos desenhistas. Por essa época a
família havia se mudado
para o Sacomã, ao lado do Ipiranga, de
onde Petit partia
todos os dias de
ônibus para o
centro. "Acontece que era
um ônibus
norte-americano, com direção hidráulica, bancos de
couro e ar-condicionado.
Lindo."
No ano seguinte aconteceria o fato que iria
mudar a vida do jovem desenhista. "Eu
me inscrevi num concurso de cartazes promovido
pela Varig. Mandei meu trabalho e esqueci. Um dia, passando
em frente à agência da companhia
na rua Barão de Itapetininga, perguntei à moça do balcão se sabia o
resultado. Ela me disse que o ganhador não havia deixado endereço ou telefone, por isso eles não
conseguiam localizá-lo. Perguntei
quem era o ganhador e ela me falou: um certo Petit. Fiquei com as
pernas moles."
O cartaz, que institucionalizou
um tucano como símbolo da Varig, deu "um bom dinheiro" e fama a Petit, que logo mudou de
emprego, indo trabalhar na agência Thompson. Estimulado por
essa lembrança, ele faz uma análise retrospectiva da publicidade no
país. "O mercado brasileiro era
um submundo da publicidade
ruim americana. Fazia-se absolutamente tudo o que o cliente queria, quem mandava na agência
eram os contatos, puxa-sacos dos
patrões, os redatores ficavam numa salinha minúscula e os desenhistas eram os escravos que ficavam no porão."
Petit identifica dois momentos
importantes que contribuíram
para a mudança daquele quadro,
em que o mercado publicitário
nacional era "um quintal dos
americanos".
"O primeiro passo foi dado por
Fritz Lessin, um alemão que trabalhava na Standard, muito antipático e muito competente. Foi
ele que fez a campanha do Quarto
Centenário e introduziu um toque europeu, italiano na nossa
publicidade."
O outro passo foi dado, conforme Petit, pelo publicitário Alex
Periscinoto, da Alcântara Machado, quando passou a acompanhar
"boa publicidade americana". Isso ocorreu dentro de um processo
evolutivo no qual iria surgir, anos
depois, em 1968, a DPZ, "que instalou definitivamente uma linguagem européia, mas com cara
brasileira, na publicidade feita
aqui", afirma.
Por essa época, na passagem
dos anos 50 para os anos 60
e ao longo desta última
década, São Paulo seguia sendo "uma cidade agradável".
"Eu sempre circulei entre publicitários e entre
artistas", recorda Petit. "Eu ia
ao TBC, frequentava o
Masp, que ainda
ficava no prédio
dos "Diários Associados", na rua
Sete de Abril, em
cujo bar, o Bar do
Museu, se encontrava toda a intelectualidade paulistana, de Oscar Pedroso Horta a Ciccilo Matarazzo, passando por Alfredo Volpi, Aldemir Martins,
Grassmann, Yolanda Penteado,
José Geraldo Vieira, Vilanova Artigas e Sérgio Milliet. Tive o privilégio de conhecer todos."
"O Ciccilo Matarazzo era um
homem fantástico, moderno. Ele
dizia que não era nada, que os
operários de suas fábricas, sim, é
que tinham importância."
Ao falar de Ciccilo, Petit imediatamente recorda da "sensacional"
2ª Bienal de Artes Plásticas de São
Paulo, realizada pelo empresário
em 1953 e que integrou os festejos
do Quarto Centenário, no ano seguinte (leia texto nesta página).
Do Bar do Museu, com a energia de quem está na casa dos 20
anos, Petit seguia para os restaurantes então na moda, onde os
jantares "se estendiam até quatro,
cinco da manhã".
"Frequentávamos o Gigetto, o
Fasano, o Casserole, mas o restaurante mais badalado era sem dúvida nenhuma A Baiúca, na praça
Roosevelt."
Na avaliação de Petit, essa "época de ouro" de São Paulo começou a acabar com a morte do poeta, crítico, ensaísta e historiador
Sérgio Milliet (1898-1966), um dos
próceres da intelectualidade nacional, ou, como quer o publicitário, "o guia da cultura paulistana".
Grande decadência
Dos anos 60 para os 70, o que se
passou a ver foi "uma grande decadência": "Os hábitos mudaram
muito, a cidade passou a crescer
demais, deixando para trás a forte
influência européia, que foi desaparecendo com a migração interna. Hoje eu entendo isso melhor
do que naquele tempo e percebo
que os vestígios de uma época foram destruídos. Veja só como está
o centro da cidade, que era tão bonito: sujo, abandonado. Gosto
muito da idéia dessa Associação
Viva o Centro. A prefeitura vai para lá e o governo do Estado deveria ir também. É a única forma de
reabilitar".
Apesar dessas constatações, ele
não alimenta nenhum rancor em
relação à cidade que escolheu para permanecer -além de Penha e
Sacomã, já morou no Paraíso, em
Higienópolis e vive no Pacaembu.
"É uma cidade absolutamente
apaixonante", diz ele, ao revelar
que seu livro sobre a metrópole,
além dos depoimentos de migrantes e imigrantes ilustres (entre os quais Edla Van Steen, Olavo
Drummond, Magy Imoberdorf,
Fernando Morais e Domingos Alzugaray), terá uma cronologia da
vida cultural dos últimos 50 anos.
"É uma seleção dos grande momentos vividos durante a época
de ouro da cidade."
É época que passou, mas sobrevive na memória dos que, tal qual
no filme de Luís Buñuel, daqui
não conseguem sair.
Texto Anterior: Entrevista: Vaticano e Bush são aliados contra os direitos da mulher, afirma ONG Próximo Texto: Gilberto Dimenstein: O futuro da educação está no hospital Índice
|