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DANUZA LEÃO
Lembrando
Há quanto tempo você não
tem um amor eterno? Lembra, pelo menos, da freqüência
com que se apaixonava? Ah,
quanta perda de tempo; ah, como
era bom.
Bastava olhar para um homem
razoavelmente charmoso para o
coração bater descompassadamente. Independia de ele ser inteligente, de terem afinidades ou
votado no mesmo candidato. Era
preciso passar todos os minutos
do dia -e todos os dias do ano-
amando loucamente e falando
com as amigas, é claro; afinal, sobre o que conversam duas mulheres, seja na praia, nos corredores
do escritório ou trancadas no
quarto? Sobre namorados, é evidente. Numa determinada faixa
de idade (mental), isto é, dos dez
aos cem, não existe outro assunto
na cabeça de uma mulher.
Elas ignoram as guerras, as crises, a inflação; e uma mulher
apaixonada por acaso lê jornal?
Até lê, mas só o horóscopo -o dela e o dele. As mais cultas chegam
a se interessar pelos ascendentes
(o dela e o dele), e atire a primeira
pedra aquela que nunca achou
que uma letra de Chico era a ca-ra de seu romance.
Mas o perigo ronda, e basta que
o homem pelo qual a mulher está
apaixonada faça um só gesto para ela largar tudo e ir atrás dele;
pensando bem, e com o distanciamento histórico, ainda bem que
poucos fizeram o tal gesto.
Começa a pensar e lembra de
uma vez em que virou a vida pelo
avesso, trocou a praia pela montanha, a carne pelos legumes e
tratava qualquer febre e qualquer
dor com produtos naturais, ai, ai.
Como sempre foi radical, aboliu
toda e qualquer vaidade: no lugar
de fazer luzes no cabelo, passou a
usar shampoo de chá de camomila, aboliu o tranqüilizante e adotou a erva-cidreira, e nessa fase
valia tudo, desde que não desse
nenhum prazer. Passou anos sem
usar qualquer maquiagem e sem
se preocupar com a forma física,
só com a saúde. E para que ter
cintura, se só usava camisolão?
Por instinto de sobrevivência
evitou, sem que ele soubesse,
qualquer coisa parecida com uma
gravidez, e sempre achou, secretamente, que uma cesariana com
uma boa anestesia é mais natural
do que um parto de cócoras. Um
belo dia aconteceu o que sempre
esteve escrito nas estrelas: aquela
vontade irresistível de usar sandálias de salto alto e um vestido
colado ao corpo.
A partir do momento em que se
deu o direito de raciocinar, tudo
fluiu. Ele, como não comia carne
vermelha, era uma pessoa razoável, serena e compreensiva, por isso não houve derramamento de
sangue na hora do adeus.
Ela pegou o ônibus, chegou
em casa -também por instinto
de sobrevivência, conservou o
apartamento- e foi direto para
o telefone.
Ligou para as amigas, que logo
sugeriram jantar num lugar bem
animado. Quase aceitou, mas
lembrou de uma regra -sua-
que jamais infringiu: depois das
6h da tarde, é melhor sair com um
homem idiota do que com uma
mulher inteligente. Marcaram
um almoço, tarde, para sábado.
Com bastante tempo para se produzir, a primeira coisa que fez foi
ir a um cabeleireiro e pintar as
unhas dos pés de vermelho cereja.
O almoço durou horas, e quando acordou na manhã seguinte
sem lembrar de nada, morta de
sede, encontrou um bilhete na
porta da geladeira dizendo "Gata, você é demais, te ligo".
Voltou para a cama pensando
na vida: afinal, quando é que foi
mais louca? Quando largou tudo
em busca de uma vida nova que
não tinha nada a ver com ela, ou
na noite anterior?
Sinceramente, sinceramente
mesmo? Não sabe, mas talvez tenha chegado a hora de amadurecer, de saber quem realmente é,
de tomar juízo, mesmo correndo
o risco de nunca mais ser chamada de gata.
Mas será que vale?
E-mail - danuza.leao@uol.com.br
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