|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
DE QUEM É A CULPA?
Processo de ocupação urbana com intensa impermeabilização torna enchentes quase insuperáveis
SP paga alto preço por invasão de várzeas
SIMONE IWASSO
DA REPORTAGEM LOCAL
O paulistano acusa a prefeitura e
o governo do Estado, que reclamam da falta de verbas, que foram a desculpa de outras gestões,
que se revezavam na promessa de
grandes obras de engenharia, que
seriam as soluções definitivas. A
cada nova enchente, uma rede de
acusações é formada, envolvendo
moradores, poder público e até
mesmo são Pedro.
A discussão, porém, se perde
em vultosas somas, propostas
imediatistas e soluções mágicas,
sem abranger as origens dos pontos de alagamento e as alternativas que podem, ao menos, melhorar a vida das pessoas afetadas.
Em um salto histórico, caberia
às decisões que foram tomadas no
decorrer do século passado o
ônus do caos que assolou nas últimas semanas a zona leste de São
Paulo. As vítimas, as casas inundadas e os carros perdidos são
conseqüências de uma urbanização desenfreada, sem planejamento, que ocupou fundos de vale -Aricanduva, por exemplo-
e impermeabilizou as áreas de
várzea -como as vias marginais
dos rios Tietê e Pinheiros.
"Nos anos 60, nós ainda tínhamos a possibilidade de ter o maior
parque linear urbano do mundo
nos 50 km que formavam as várzeas dos rios Tietê e Pinheiros.
Mas a opção do poder público foi
outra", afirma a arquiteta e paisagista Rosa Grena Kliass. O resultado é visto hoje: vias marginais,
prédios, casas e galpões em cima
das várzeas dos rios, totalmente
tomadas por concreto e asfalto.
A realização do prefeito Faria
Lima (1965/69) foi ao encontro
dos interesses do mercado imobiliário, que provocou uma valorização de terrenos antes desocupados. "As pistas deveriam estar no
final das áreas inundadas. O que
era um reservatório natural foi tomado pelo asfalto e agora só restam medidas paliativas, não dá
para voltar mais", diz Kliass.
E essa é a história do Tamanduateí, do Ipiranga, do Aricanduva, do Tietê, do Pirajussara, do Pinheiros e outros grandes rios e
córregos de São Paulo, onde duas
versões se repetiram: foram retificados e tiveram suas planícies
ocupadas e impermeabilizadas ou
foram canalizados para que uma
avenida passasse por cima.
"O Tamanduateí foi o primeiro
a ser retificado. Eles retificavam
ou canalizavam para aumentar a
velocidade do rio, mas impermeabilizavam as várzeas, o que
piorou a situação. E aí não tem
mais jeito", explica o engenheiro
José Eduardo Cavalcanti, do Instituto de Engenharia de São Paulo.
A região do Aricanduva, que
abriga uma série de pontos de alagamento, formava um fundo de
vale, uma planície onde havia vegetação e solo permeável, que
abrigavam as águas das chuvas.
No entanto, foi ocupada por avenidas, residências, favelas, apartamentos e galpões industriais.
"Se você estudar o caso da bacia
do Aricanduva, verá a enormidade de besteiras que foram feitas.
Vozes do meio técnico se levantaram, mas foram caladas por convênios internacionais cujo recurso vinha atrelado à construção de
avenidas em fundos de vale", afirma a geógrafa Vanderli Custódio,
da área temática de geografia humana do Instituto de Estudos
Brasileiros da USP.
A construção das avenidas Jacu-Pêssego e Água Espraiada, atual
Roberto Marinho, pela gestão do
ex-prefeito Paulo Maluf (1993/
96), são exemplos mais recentes
desse tipo de política. Ambas foram construídas em áreas de várzea e tiveram os córregos canalizados, sem deixar espaço para
áreas permeáveis. "A Jacu-Pêssego não poderia estar na área de
várzea. Ela deveria estar em solo
firme, e a várzea seria um parque
linear", diz Kliass.
Desse modo, locais com ampla
vegetação e áreas permeáveis se
transformaram em bairros áridos, rios foram confinados em calhas estreitas, várzeas inundadas
ficaram cobertas de asfalto e a população ocupou locais que deveriam ter ficado livres: estava pronto o cenário das enchentes.
"A cidade possuía áreas que estavam naturalmente sujeitas às
inundações e que foram ocupadas pela população. O que se pode
fazer hoje é reduzir a magnitude
desse problema, controlando o
uso do solo e investindo em obras
de drenagem", explica Augustinho Ogura, do Instituto de Pesquisas Tecnológicas da USP.
Ogura afirma que o controle da
ocupação do solo e a manutenção
das áreas permeáveis restantes
são o principal desafio para evitar
um agravamento das enchentes.
"Agora, as obras têm que ser feitas
continuamente", completa.
Texto Anterior: Entrevista: Congresso inédito da Apae trata da velhice e da deficiência mental Próximo Texto: Lixo também prejudica escoamento Índice
|