São Paulo, domingo, 08 de setembro de 2002

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CIDADANIA DIGITAL

Programa da USP cria redes com diferentes grupos sociais, que têm papel ativo na produção de conhecimento

Internet abre universidade para a periferia

EDNEY CIELICI DIAS
DA REDAÇÃO

Francinete Quintos de Oliveira, 27, é monitora de internet no Jardim São Luís, na zona sul de São Paulo. Ela tem uma maneira própria de explicar o conceito de rede -com base em sua experiência pessoal. "Na periferia, existem redes reais, as pessoas dependem umas das outras, criam laços solidários. A internet é virtual. Mas as duas redes somadas podem criar uma realidade própria."
Francinete ganha R$ 400 mensais por uma jornada diária de seis horas em um infocentro, serviço gratuito de internet do governo estadual (Acessa São Paulo).
Ela completou o ensino médio. Agora, aperfeiçoa seus conhecimentos e troca experiências na USP, a maior universidade pública brasileira. "Nós vivemos realidades muito diferentes. Eu também sei coisas que eles, na universidade, não sabem."
A sua porta de entrada para o mundo acadêmico é a Cidade do Conhecimento, programa institucionalizado pela Universidade de São Paulo no mês passado.

Elos criativos
Seguindo seu processo de consolidação, a Cidade do Conhecimento coloca em prática neste semestre dois projetos cruciais para atingir o seu objetivo principal, que é formar redes de conhecimento com a participação ativa de setores da sociedade.
O projeto Gestão de Mídias Digitais, do qual Francinete participa, começou há três semanas e agrega 170 monitores de postos públicos de acesso gratuito à internet, instalados, em sua maioria, na periferia da capital.
Já o Dicionário do Trabalho Vivo é uma iniciativa que cria uma rede de discussão para tratar de temas relacionados ao emprego. Nela estão reunidos alunos do ensino médio e da universidade, professores, especialistas e pessoas ligadas a comissões municipais de emprego, entre outros. Nesse universo heterogêneo, são formados subgrupos para discutir temas específicos e consolidá-los na forma de verbetes.
Os dois projetos somam-se a um mais antigo, o Educar na Sociedade da Informação, voltado a professores do ensino fundamental e médio e que está em sua segunda edição neste ano.

Via de mão dupla
A Cidade do Conhecimento pretende tornar mais democrático o acesso à universidade.
A tecnologia possibilita a mais pessoas -numa escala, teoricamente, ilimitada- o acesso ao que é produzido na instituição. A proposta é que os grupos, unidos em rede, troquem experiências e informações, produzam conhecimento e tragam questões que estimulem o debate e a pesquisa.
"É um novo espaço público, em que ensino, pesquisa e extensão se associam ao fomento de comunidades organizadas digitalmente. A hipótese é que as economias capazes de desenvolver essas redes sejam mais competitivas. Na academia, isso é conhecido como pesquisa-ação", resume o diretor acadêmico da Cidade do Conhecimento, o economista e sociólogo Gilson Schwartz, 42.
A interação criativa é vista como um processo de mão dupla. "Sou um entusiasta do projeto. É muito importante que a universidade não fique isolada. A troca ajuda a entender a sociedade de uma forma mais ampla e a agir como ela deseja", diz Vahan Agopyan, 50, diretor da Escola Politécnica, uma das unidades da USP que dão suporte à Cidade do Conhecimento.
"A Politécnica defende o relacionamento com o meio em que a universidade se insere. Achamos que ele tem de ser mais intenso ainda. Queremos mais."
O pró-reitor de Cultura e Extensão Universitária, Adilson Avansi de Abreu, 58, analisa a iniciativa no contexto do processo de valorização das atividades de extensão, que passou a ocorrer de forma mais acentuada na USP a partir de 1988. "No ano passado, por exemplo, tivemos mais alunos de extensão do que a soma dos alunos da graduação e da pós-graduação. É um processo positivo, que valoriza a relação da universidade com a comunidade."
Na avaliação de Imre Simon, 59, coordenador do grupo de estudos de informação e comunicação do Instituto de Estudos Avançados da USP, a Cidade do Conhecimento "está indo muito bem". Ele pondera que o programa funciona como um laboratório.
"Não sabemos os limites do processo e até que ponto podemos produzir conhecimentos novos com essa sistemática. Todos estão aprendendo", diz Simon.
Thomas Rose, 47, engenheiro do IPT (Instituto de Pesquisas Tecnológicas), deu uma palestra na Cidade sobre os meios tecnológicos e a educação a distância. Ele destaca o papel da tecnologia.
"O desenvolvimento da web é uma ameaça ao modelo tradicional de universidade. Nesse contexto, ela tem de mudar."
Alexandre Loloian, 53, coordenador do Observatório do Futuro do Trabalho, da Secretaria de Estado do Emprego e Relações do Trabalho, ressalta o caráter social do programa. "A interatividade é importante para descobrir formas de inclusão social. Queremos invadir a USP. Conhecimento para quem precisa dele!"



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