|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Associação coloca em dúvida risco de gordura trans
Presidente da associação dos fabricantes rechaça a imposição do governo de colocar prazo para acabar com o ingrediente
Segundo Klotz, a gordura trans é usada há 5.000 anos; "comemos veneno desde os nossos antepassados. E isso fez mal para alguém?", diz
DA REPORTAGEM LOCAL
O presidente da Abia (Associação Brasileira das Indústrias
da Alimentação), Edmund
Klotz, afirma que os fabricantes concordam que é preciso tirar a gordura trans dos alimentos, mas não aceitam que o governo imponha prazos.
"Ninguém está querendo envenenar ninguém. Esperamos
descobrir a solução para a gordura trans em algum momento.
Mas hoje não dá para falar em
prazo", afirma ele.
Klotz, no entanto, diz não ter
certeza se as gorduras trans
realmente são prejudiciais à
saúde. "A ciência pega um
monte de rato e enche de margarina, o bicho morre entupido
e conclui-se que a gordura
trans faz mal. Pode até fazer
mal, eu não sei."
A seguir, trechos da entrevista à Folha.
(RICARDO WESTIN)
FOLHA - A indústria está comprometida com a eliminação da gordura trans dos alimentos?
EDMUND KLOTZ - Não é questão
de compromisso. É questão de
possibilidade. Estamos fazendo todo o esforço, com pesquisas, para encontrar uma alternativa à gordura trans. Não há
a menor resistência de nossa
parte. O que há é a impossibilidade de pararmos de usar a
gordura trans neste momento
por falta de alternativas. É um
processo que vai demorar.
FOLHA - Mas já existem alimentos
sem gordura trans, não existem?
KLOTZ - Existem soluções parciais, como o óleo de alpiste e o
de palma, mas não existe uma
solução global, porque esses
óleos não estão disponíveis em
quantidade suficiente. Antigamente, a gordura animal era o
ingrediente que se usava em
tudo. Com o passar do tempo,
descobriu-se que a banha era
algo extremamente pesado.
Além disso, ela não existia em
quantidade para abastecer o
mundo. Foi então que surgiram as gorduras vegetais [que
dão origem à trans]. Só que a
passagem da banha para a gordura vegetal, como a da soja, levou 40 anos.
FOLHA - Algum dia não haverá
mais gordura trans nos alimentos?
KLOTZ - Ninguém pode dizer
que vai acabar com a gordura
trans. Só se mandarem os bois,
as vacas e os porcos embora do
Brasil, para o Chile, para o Paraguai, para a Argentina. Existe
um pessoal que está falando
bobagem por aí. Faz 5.000 anos
que se usa gordura trans. Ela
está nos animais. A questão da
gordura trans é, na realidade,
trocar a gordura trans vegetal.
Agora, falar em termos gerais
da gordura trans como se fosse
o grande veneno... Nós, então,
estamos comendo veneno desde os nossos antepassados
mais remotos. E isso fez mal
para alguém?
FOLHA - Os médicos e os cientistas
asseguram que a gordura trans dos
alimentos industrializados, derivada dos óleos vegetais, é prejudicial.
KLOTZ - A ciência pega um
monte de rato e enche de margarina, o bicho morre entupido
e conclui-se que a gordura
trans faz mal. Pode até fazer
mal, eu não sei. Mas a gordura
trans animal faz parte, nosso
organismo está acostumado a
metabolizá-la, nós comemos
churrasco. Nós [a indústria de
alimentos] também somos população, comemos os alimentos. Ninguém está querendo
envenenar ninguém. Esperamos descobrir a solução para a
gordura trans em algum momento. Mas hoje não dá para
falar em prazo.
FOLHA - A idéia do governo era que
a gordura trans fosse eliminada em
três anos, como foi no Canadá...
KLOTZ - O que é bom para eles
pode não ser bom para nós.
Brasil é uma coisa, Canadá é
outra. Imagine quanto tempo
leva para descobrir um produto, aprová-lo, conseguir a matéria-prima em quantidade suficiente, encontrar gente disposta a plantar e a pôr dinheiro
nesse negócio. Não temos condições de fazer um milagre.
FOLHA - A indústria, então, não
aceitou o prazo de três anos?
KLOTZ - Se for fixado um prazo
para acabar com gordura trans,
vamos ter de criar porco de novo e voltar à velha banha. Somos como as montadoras de
automóveis. De repente proíbem as montadoras de usar ferro nos carros, porque faz mal,
dá câncer... Vão usar o quê? Cola, chiclete? Esse é o grande
drama. Ainda não temos nada
com um resultado final parecido com o da gordura trans.
FOLHA - O governo entendeu?
KLOTZ - Estão caindo na real. A
realidade é diferente de uma situação ideal: "O governo decide
acabar com a gordura trans em
30 dias". O papel aceita tudo.
Se pararmos de fabricar os produtos, aí sim teremos falta de
comida e a inflação vai para a
casa do chapéu. Temos de pesar todas as conseqüências. O
Brasil é o grande fornecedor
mundial de alimentos. Se você
parar de ter o ingrediente fundamental, você vai acabar com
a economia do país. Representamos [a indústria de alimentos] um terço do PIB nacional,
somos responsáveis por praticamente 60% do superávit da
balança comercial. Só estamos
atrás do petróleo.
FOLHA - Então não há prazo para a
eliminação da gordura trans?
KLOTZ - O ministro da Saúde
entendeu perfeitamente. É tudo uma questão de: tenham paciência, compreendam o problema e ajudem a encontrar soluções.
Texto Anterior: Há 50 anos Próximo Texto: Apenas 30% dos biscoitos são "zero trans" Índice
|