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SISTEMA CARCERÁRIO
Após 46 anos, reduto de mortes, rebeliões e massacres começa a desaparecer com a queda de três pavilhões
Carandiru tem fim com implosão hoje às 11h
DA REPORTAGEM LOCAL
Depois de 46 anos de existência,
quase metade deles sob a promessa de desativação, o maior símbolo do fracasso do sistema prisional brasileiro finalmente começa
a desaparecer. Três pavilhões da
Casa de Detenção, no complexo
do Carandiru (zona norte de São
Paulo), devem ir abaixo e virar
entulho às 11h de hoje.
A história de mortes, rebeliões,
fugas e do chamado massacre do
Carandiru, ocorrido em 1992, começa a mudar, segundo o governo do Estado, com o uso de 250
quilos de explosivos.
Construído em 1956, pelo então
prefeito Jânio Quadros, a Casa de
Detenção virou um modelo obsoleto e caro. Nas últimas contabilidades, quando a população ainda
ultrapassava 7.000 presos, as instalações velhas geravam um custo
só de água e energia elétrica de R$
18 milhões ao ano.
Segundo a Secretaria Estadual
da Administração Penitenciária,
nunca se fez o cálculo do custo do
preso da Casa de Detenção em relação aos outros presídios. Porém, segundo a secretaria, era
bem maior que a média atual de
R$ 660 mensais gastos por preso
em regime fechado.
Espetáculo
Na platéia montada para assistir
a implosão de hoje, ao lado do palanque para as autoridades, está
reservado um espaço para quem
diz ter até saudade da rotina do
que foi o maior presídio da América Latina.
Entre eles, funcionários que trabalharam décadas e até mesmo
nasceram dentro da Casa de Detenção. José Francisco dos Santos,
58, mais conhecido como Chiquinho da Detenção, passou os últimos 22 anos no complexo, trabalhando no setor administrativo.
Ele presenciou -e foi refém-
de inúmeras rebeliões e participou de episódios que ele mesmo
divide entre "felizes", "tristes" e
"engraçados". Entre as histórias
engraçadas, Santos conta que,
uma vez, um dos presos que teve
o maior número de entradas e saídas do presídio -foram 18 no total- chegou a implorar, de joelhos, para que não o tirassem de
dentro do Casa de Detenção.
"Olha, em todos esses anos, vimos de tudo. Vou sentir falta, mas
acho que estava mesmo na hora
de acabar", afirma Chiquinho,
que trabalhará no arquivamento
das fichas dos presos.
Os laços que o agente Paulo Sérgio de Almeida Braga, 44, mantém com o complexo são "familiares". Seus avós trabalhavam no
local como agentes. Seu pai e sua
mãe se conheceram -e se casaram- dentro do presídio.
E ele, como os outros irmãos,
nasceu no local e, seguindo a "vocação" da família, também prestou concurso para agente penitenciário aos 19 anos. Mas só foi
trabalhar no Carandiru em 1999.
"Meu pai levava a gente para
cortar o cabelo, almoçar com os
detentos, ver eles jogarem bola.
Uma vez, até sentei do lado do
Luz Vermelha, e minha mãe trabalhou com o Chico Picadinho",
afirma, relacionando nomes de
bandidos famosos.
Álvaro Alberto Moreira, 53, e
agente penitenciário desde 1977,
conta que sentirá saudade principalmente das festas de final de
ano, tempo em que a cadeia ficava
"normal", como os próprios detentos definiam.
O espetáculo que tanto saudosos quanto críticos da Casa de Detenção vão assistir hoje vai durar
apenas sete segundos, segundo
Manoel Dias, engenheiro responsável pela implosão.
O isolamento do local começa
às 7h, quando o trânsito nas avenidas Cruzeiro do Sul, general Pedro Leon Schneider e general Ataliba Leonel e na rua Antônio dos
Santos Neto será interrompido. O
tráfego só será liberado às 13h.
Os trens serão parados nas estações Santana e Tietê dez minutos
antes da implosão. Segundo a Defesa Civil, 131 moradores serão retirados de suas casas durante a
implosão. "Não podemos garantir 100%. Mas houve muito planejamento e todos os cuidados foram tomados", afirmou Dias.
Iranilde Julioti dos Santos, 27,
recebeu a carta da Defesa Civil notificando da retirada na sexta-feira da semana passada. Ela teme
que os túneis cavados pelos presos provoque problemas na estrutura de sua casa no momento da
implosão.
Mesmo os moradores que não
terão de deixar suas casas estão
com medo de que a operação danifique os imóveis. "Aqui embaixo deve estar tudo esburacado.
Não vou ficar em casa não", disse
Adriana Nascimento da Silva, 23.
O engenheiro disse que não deve ocorrer problemas. Mesmo assim, sismógrafos serão colocados
para medir a intensidade da implosão e verificar possíveis danos
nas proximidades.
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