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NORDESTE
Falta de informação e sintomas parecidos com os de outras moléstias comuns na região contribuem para subnotificação
Preconceito faz Aids avançar no sertão
KAMILA FERNANDES
DA AGÊNCIA FOLHA, EM FORTALEZA
No sertão nordestino, Aids é um
tabu que preocupa as autoridades
de saúde. Com preconceito, falta
de informação e confusão dos sintomas iniciais da doença com os
tradicionalmente associados à
miséria da seca, a subnotificação
esconde um quadro sombrio.
Não existem levantamentos fechados sobre os números da Aids
especificamente no sertão, exatamente devido à subnotificação,
mas as autoridades de saúde do
Ceará têm se deparado com casos
que lembram o início da epidemia
tanto pela falta de informação dos
doentes e dos familiares como pelo retrocesso em termos de preconceito, mesmo depois de várias
campanhas de esclarecimento.
É o caso E.M.A, 25. "O que tenho é uma infecção muito grande", diz ela, abandonada por um
mês pela família no hospital São
José, em Fortaleza, referência no
tratamento de doenças infecciosas no Estado.
Ela insiste que está doente porque comeu alguma coisa estragada e que os familiares mentem
quando dizem que é algo mais
grave. E. foi internada no começo
de novembro com diarréia, feridas na pele e fraqueza, sintomas
comuns em áreas pobres, sem
água encanada e sem tratamento
de esgoto, como em grande parte
do interior do Ceará.
Às assistentes sociais, E. conta
histórias confusas sobre a sua infecção e sua vida em Itapipoca
(130 km de Fortaleza), mas lembra que os vizinhos aconselharam
os pais a derrubar o banheiro, feito de taipa, porque ela tinha usado. Também separaram copos e
outros objetos e isolaram E. em
um quarto antes da internação.
Não há um surto de casos de
Aids no Ceará, mas os números
globais preocupam, principalmente pela falta de atendimento
no interior do Estado. São 4.237
doentes notificados no Estado até
este ano, dos quais 1.625 já morreram. No interior do Estado, há
1.121 casos notificados -no Nordeste, a Bahia tem o maior número de ocorrências, segundo o Ministério da Saúde, com 5.185.
"O maior problema é que, na
maioria dos casos, o paciente só
fica sabendo que tem a doença
quando já aparecem os sintomas.
Daí, o tratamento fica bem mais
difícil", diz a diretora do hospital,
Maria Airtes Vitoriano.
"A pessoa se nega a fazer o exame de HIV por ignorância, porque não tem acesso à informação
e sabe que, numa cidade pequena,
a população tem muito preconceito", afirma o médico infectologista Érico Arruda, especialista no
tratamento de Aids em Fortaleza.
Os sintomas gerais causados pela Aids -diarréia, febre e emagrecimento- causam confusão
entre os pacientes, o que também
explica a subnotificação e mesmo
o diagnóstico tardio dos doentes.
"Eles se negam a acreditar que
têm a doença e vão adiando ainda
mais o diagnóstico. Muitos só se
internam quando o quadro está
bastante grave", diz Arruda.
No Ceará, a subnotificação também é explicada pela centralização do atendimento em Fortaleza.
São 2.100 pacientes cadastrados
no hospital São José. Com exceção de Sobral, que já possui com
um posto de atendimento, as demais cidades não contam com esse serviço -há um em implantação em Juazeiro do Norte.
Caravanas do interior do Ceará
com portadores do vírus HIV
chegam diariamente a Fortaleza.
F.A.S., 32, faz o trajeto de Russas
a Fortaleza, de 159 quilômetros,
todo mês. Dessa vez, ela teve de ficar internada por causa de uma
"dor de cabeça que não passa".
Há dois anos com a doença, ela
sobrevive com um salário mínimo, pago pelo governo.
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