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ENTREVISTA
Uso de drogas vai virar disciplina na Unifesp
DA REPORTAGEM LOCAL
Além de auxiliar no controle
das náuseas em tratamentos quimioterápicos e na restauração do
apetite de soropositivos, estudos
recentes feitos na Inglaterra mostram que a maconha teria efeito
também no controle da dor em
portadores de doenças neurológicas, como esclerose múltipla.
A Rede Brasileira de Redução de
Danos realizou na última quinta-feira o primeiro seminário com
apoio e patrocínio do Ministério
da Saúde sobre o uso terapêutico
dessa droga. Elisaldo Carlini, 72,
titular do Conselho Internacional
de Controle de Narcóticos (órgão
das Nações Unidas) e professor
da Universidade Federal de São
Paulo, apresentou os estudos e
também anunciou a criação de
uma disciplina na Unifesp para
enfocar de maneira diferenciada o
consumo de drogas e o abuso das
substâncias.
Segundo ele, pela primeira vez
em uma universidade brasileira
os cursos darão mais enfoque ao
usuário do que à droga.
"O objetivo do seminário foi colocar essa discussão às claras.
Com isso queremos provocar um
pouco as pessoas para essa diferença que a gente faz de drogas lícitas e drogas ilícitas e as diferentes utilidades que tanto uma
quanto outra droga podem ter",
afirma Mônica Gorgulho, 42, presidente da rede.
A seguir, Carlini fala do uso terapêutico da droga e sobre a nova
disciplina.
Folha - Qual é a situação do uso
terapêutico da maconha?
Elisaldo Carlini - Holanda, Canadá e Inglaterra já enviaram ofício
às Nações Unidas avisando que
criaram dentro dos seus ministérios da Saúde agências para tratar
do assunto. Isso é uma exigência
da Comissão Internacional de
Narcóticos. Essas agências serão
órgãos que controlarão a produção e estoque de maconha. A Holanda, por exemplo, pretende exportar e vai atender no mínimo a
12 mil pessoas que têm prescrição
médica para o uso da droga. O
Brasil ainda não tomou nenhuma
iniciativa.
Quais são os usos medicamentosos da droga?
Carlini - Um que ninguém duvida mais é para náuseas e vômitos
decorrentes da quimioterapia
[tratamento para o câncer". Outro
uso aceito é para restaurar o apetite do soropositivo. Acabou de sair
na Inglaterra um trabalho que
mostra a aplicação em esclerose
múltipla e outras doenças neurológicas, para alívio da dor. Não
existe nenhum remédio que seja
eficiente em 100% dos pacientes.
Você tem 10%, 20% que sofrem
porque o medicamento não controla a dor, por exemplo. Se para
esses pacientes você tem uma opção terapêutica a mais, é necessário pelas regras da medicina que
isso esteja disponível, desde que
haja provas de que funciona.
Folha - Por que criar a nova disciplina na Unifesp?
Elisaldo Carlini - Nós entendemos
que o problema de abuso de drogas vai muito além da medicina.
Há problemas sociais envolvidos,
antropológicos. A disciplina pretende começar a discutir drogas e
abuso de drogas numa perspectiva mais ampla. O segundo aspecto que temos de entender é que
precisamos estudar não a maconha, por exemplo, mas o homem
que usa maconha. Por que usa
maconha, o que o leva, quais são
was faltas que ele tem?
E ainda um terceiro aspecto: temos de discutir como a sociedade
vê a droga. E nisso é importante
saber quais são os preconceitos
que a sociedade tem. A maconha,
até o princípio da década de 30,
era considerada um medicamento no mundo inteiro, mas de repente virou a "erva do diabo".
Outra coisa importante é entender como é que o dependente vê a
droga e a sociedade no contexto.
Se não conseguirmos entender esses aspectos, vai ser impossível
controlar esse abuso.
(FABIANE LEITE)
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