|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
DANUZA LEÃO
Pobre homem
Era um restaurante simples, e eles foram chegando
aos poucos: três moças, sendo que
duas com seus respectivos maridos, uma sem nenhum, depois os
pais das moças. Como era aniversário da mãe, muitos beijos foram
trocados, e teve até ligações de celulares tipo "fala com mamãe, ela
chegou agora". Pareciam todos
bem felizes.
Via-se que as moças eram irmãs: os narizes eram grandes,
mas não demais, os olhos, enormes, naturalmente maquiados, e
nenhuma delas poderia ser modelo: o manequim das três era entre o 44 e o 48, estavam todas bem
felizes e duvido que o tema dieta
tenha sido algum dia debatido
entre elas.
Via-se que gostavam de comer,
e num determinado momento
um dos genros levantou o copo
de cerveja e disse "viva minha
sogra". Todos brindaram e a
mesa foi ficando cada vez mais
animada.
A mulher do que levantou o
brinde era a mais bonita das três.
Devia ter entre 35 e 40, era simplona, sem nenhuma pintura no
rosto, comunicativa e carinhosa
com todos, sobretudo com o marido. Como os pratos -ah, esqueci
de dizer que o restaurante era
árabe- eram muitos, volta e
meia ela pegava uma garfada de
uma travessa que estava mais
longe e dava na boca do marido.
Parecia ser uma mulher doce e
às vezes fazia um carinho nele,
que correspondia, e de vez em
quando rolava até um beijo entre
os dois. Era claro que eles viviam
bem, sem excessos de paixão e
com uma ausência de ciúmes que
só existe entre casais que se dão
muito bem em todos os sentidos.
Foi aí que, por acaso, os olhos
dele cruzaram com os olhos de
uma mulher em outra mesa. Seu
olhar parou nela por alguns segundos, e ele se transformou.
Aquele homem na dele, certamente feliz -ninguém diz "viva
minha sogra", sem ironia, a não
ser quando tem ótimas relações
com a mulher-, virou, de repente, um galã. Um galã de quinta,
mas um galã.
De um minuto para o outro ele
ficou parecendo o clássico conquistador de filmes classe B/C,
que manda mensagens com o
olhar. A mensagem, sempre a
mesma: ia do "o que eu seria capaz de fazer com você numa cama" a "não sou daqueles que precisam de Viagra". As coisas não
pararam por aí: ele tentou repetir
o olhar, mas a mulher achou a cena ridícula demais e virou a cabeça para o outro lado.
Esse homem devia saber, com
certeza absoluta, que jamais iria
vê-la de novo. Pelas circunstâncias, não ia rolar um torpedo,
um número de telefone não ia
ser passado, eles nunca mais
iriam se cruzar na vida. Então,
qual a graça?
Acontece que ele é aquele tipo
de homem cafajeste que não pode
ver uma mulher sem fazer "aquele" olhar. São os conquistadores,
que não estão olhando nem ao
menos porque estão achando a
mulher linda -ela nem era-,
mas só para se provar, para provar ao mundo que é um machão.
Se sua própria mulher interceptasse o olhar dele naquela hora,
ficaria espantada com a transformação daquele homem que ela
conhecia tão bem.
Acho que ela não teria raiva
nem ciúmes, não ficaria triste
nem infeliz; apenas acharia que
era casada com um bobo, bobo
como conseguem às vezes serem
os homens.
E se fosse muito, mas muito sábia, ficaria com um pouquinho de
pena dele.
E-mail - danuza.leao@uol.com.br
Texto Anterior: Exclusão: Marta cumpre 54% de sua meta social Próximo Texto: Atmosfera: Sol predomina no Estado de SP Índice
|