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VIOLÊNCIA
Comerciantes de drogas amedrontam moradores, restringem acesso de visitantes e impõem lei do silêncio a entidades
Tráfico em SP imita o do Rio e sitia favelas
DA REPORTAGEM LOCAL
DA SUCURSAL DO RIO
O narcotráfico criou nas favelas
do Rio de Janeiro e de São Paulo
uma rede de poder paralelo que
comanda o cotidiano de moradores e altera dois fundamentos do
Estado democrático: o direito de
ir e vir e o conceito de justiça.
No dia-a-dia dessas regiões sob
o controle de traficantes há pontos de bloqueios com homens armados, revistas e até o completo
isolamento de estranhos.
Há uma semana, o jornalista
Tim Lopes, da Rede Globo, desapareceu quando fazia uma reportagem sobre o tráfico na favela Vila Cruzeiro, no Complexo do Alemão (zona norte do Rio).
Nas últimas duas semanas, a
Folha ouviu cerca de 60 pessoas,
no Rio e em São Paulo, entre moradores, líderes comunitários, comerciantes, policiais e membros
de entidades não-governamentais. A maioria aceitou falar desde
que garantido o anonimato.
Cerca de 2 milhões de pessoas
vivem nas regiões visitadas nas
duas capitais. Pelo menos a metade disso estaria sob as regras do
comando paralelo do tráfico.
O que se viu nesses locais foi
uma semelhança entre as duas capitais no modo como o tráfico sitia, ocupa e expulsa, mas com o
Rio em um estágio mais avançado
e São Paulo seguindo seus passos.
Tanto que as investigações policiais indicam a existência de uma
aproximação -e possível associação- entre traficantes paulistas e cariocas.
Prova disso está no processo da
Justiça de São Paulo contra o traficante Claudair Lopes de Faria, 35,
o Claudinho, principal distribuidor da zona oeste da capital. A
quebra do sigilo bancário do irmão dele, Antonio Carlos, apontou remessa de dinheiro para o
doleiro Omar Ayoub, acusado no
Rio de ser a pessoa que lavava dinheiro para Fernandinho Beira-Mar, apontado como um dos
maiores traficantes do país.
O Denarc (Departamento Estadual de Investigações sobre Narcóticos) paulista afirma que não
há "filiais" cariocas no Estado.
""Em São Paulo, o tráfico domina um ponto-de-venda, mas não
a favela toda, como no Rio", disse
o delegado Ivaney Cayres de Souza, diretor do Denarc, sobre as diferenças do tráfico nas capitais.
Mas as semelhanças são visíveis
ao comparar histórias encontradas pela Folha.
Acesso
A primeira restrição imposta
pelo tráfico no Rio é o controle
dos acessos às favelas. Um visitante tem de se identificar diante de
""olheiros" postados em pontos
estratégicos ou pode acabar interceptado por homens armados.
Em São Paulo, na favela Tijuco
Preto, no Itaim Paulista (zona leste), crianças jogam pedras nos estranhos que entram na comunidade sem autorização, segundo
voluntários religiosos que escaparam de um cerco delas.
Na favela do Gato, no Bom Retiro (centro), de novembro de 2001
a março passado, as duas entradas da favela ficaram guardadas
por homens armados.
No Rio, com a autorização do
tráfico e a intermediação da associação de moradores, a entrada
pode ser facilitada e protegida. O
gerente de entregas de uma grande rede de fast food do Rio conta
que seus empregados sofrem
muito menos assaltos no morro
do que em outros locais. ""Quando
o garoto está subindo, sempre
vem alguém perguntar para
quem é. Ele informa, e aí o cara dá
autorização para passar", disse.
É por meio da associação de
moradores de uma favela de São
Paulo, em Artur Alvim (zona leste), onde há cerca de 600 famílias,
que chegam as cartas do correio.
O carteiro está autorizado a entrar na rua principal e nas vielas
onde não se vendem drogas. As
ruas proibidas foram mostradas
pela comunidade. Quando esse
funcionário sai de férias, seu substituto precisa fazer estágio.
Errar o caminho e avançar para
dentro de uma favela pode ser fatal em ambas as cidades.
Foi o que aconteceu com um
grupo de torcedores paulistas em
1995. Perdidos, eles entraram na
favela Vila do João, no Rio. Um
morreu e três ficaram feridos.
Em janeiro deste ano, em São
Paulo, um aposentado foi assassinado a tiros na frente da mulher,
depois de entrar por engano em
uma viela da favela Funerária (zona norte). Ao pedir informação a
um morador, ele teria sido avisado de que o local estava sob toque
de recolher imposto por traficantes no período da noite.
Esvaziar as ruas é a estratégia
que traficantes das duas capitais
usam em dias de guerra pelo controle do tráfico. ""O que acontece é
que onde o Estado não está o crime está. E o que se vive é uma situação cíclica, com épocas de calmaria e outras de terror. Quem
dita a situação é o crime", disse
Daniel de Souza, coordenador da
Ação da Cidadania do Rio.
Para o promotor Elvécio de Faria Barbosa, que durante três anos
atuou no setor do Ministério Público de SP especializado em tráfico, a questão geográfica faz a diferença no domínio das favelas das
duas cidades.
""O acesso aos morros do Rio é
difícil. Em SP, a polícia tem acesso
às favelas para blitze", disse. As favelas Alba, na zona sul, e Elba, na
zona leste, seriam exemplos de locais fechados, onde o tráfico se assemelharia ao do Rio.
(ALESSANDRO SILVA, FERNANDA DA ESCÓSSIA E GABRIELA ATHIAS)
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