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VIOLÊNCIA
Nova geração assume comércio de drogas e amplia controle sobre moradores e visitantes de áreas da periferia
Jovens traficantes dominam favelas de SP
GABRIELA ATHIAS
DA REPORTAGEM LOCAL
Além da queixa, já habitual, sobre o desemprego, moradores de
favelas paulistanas que vivem sob
o domínio do tráfico tem uma nova reclamação: o controle de muitos desses locais passou para as
mãos do que eles chamam de
"molecada" -jovens que tentam
se consolidar como alternativa
aos antigos "patrões", hoje mortos, presos ou foragidos.
A Folha conseguiu entrar anteontem em duas favelas dominadas por jovens traficantes, na zona leste de São Paulo, cujos nomes
não são identificados para não colocar em risco a segurança dos intermediários da visita.
Em uma delas, os desconhecidos são impedidos de chegar ao
"fundão" da favela, onde se localiza a "boca" (ponto-de-venda).
Em dúvida sobre a identidade de
um novo cliente, os traficantes o
revistam e pedem documentos
antes de vender a droga.
"Os "bons" [traficantes" não estão mais aqui", afirma um pedreiro que vive há 14 anos na favela.
Para ele, os novos traficantes "são
uns mortos de fome". "O pouco
dinheiro que fazem, entregam para o fornecedor, que não mora
aqui, e usam para fazer acerto
com a polícia."
Para ele, assim como para boa
parte das famílias faveladas que
não têm envolvimento com o crime, a consequência mais grave
dessa transição é o desrespeito
com a comunidade.
Os novos chefes romperam a
"tradição" de tentar manter um
clima, pelo menos aparente, de
não-violência durante o dia -horário em que crianças e mulheres
transitam pela favela.
Mãe de três filhas e moradora há
23 anos da mesma favela, a dona-de-casa F. afirma que seu marido
enfrentou os "novos donos" do
lugar para impedir que seu quintal virasse uma "boca".
"Tenho medo do que ainda pode nos acontecer", diz ela. Um dos
motivos que fizeram com que a
família fosse respeitada foi a amizade entre o marido de F. e o ex-líder do tráfico, que está preso.
Nessa favela, onde na semana
passada houve três assassinatos,
as famílias dizem que os traficantes andam com carros roubados,
em alta velocidade, pela única rua
asfaltada, um beco de cerca de três
quilômetros, impedindo as crianças menores de brincar.
Em outra favela, uma das mais
antigas da região, com cerca de
2.000 moradores, os novos chefes
do tráfico, além de impedir a entrada de estranhos e de revistar
"suspeitos", proibiram os garotos
da comunidade de usar brinco.
Quem desobedece corre o risco de
perder o lóbulo da orelha, já que o
brinco pode ser arrancado.
"Eles são nossa benção. Por causa deles, os chefes das outras favelas não invadiram a nossa área
quando os grandões foram presos", diz uma das moradores mais
antigas do local.
Revista
A restrição ao direito e ir e vir é
uma marca das áreas dominadas
pelo tráfico. Há trechos da favela
Santa Madalena, em Sapopemba,
no extremo leste da cidade, em
que os estranhos só entram depois de passar por uma revista rigorosa e de dizer o nome e a localização do barraco do morador
que pretendem visitar.
Há um ano e meio, a Folha presenciou, durante quatro horas, a
rotina de uma boca na Santa Madalena. "Aqui é mais seguro do
que na sua casa", disse R., então
responsável pela segurança.
Numa favela da zona norte, os
traficantes permanecem no local
onde as famílias são atendidas pela Pastoral da Criança. "Só estamos autorizadas a conversar sobre saúde e religião", diz uma das
voluntárias da pastoral.
Encerrada a visita, um dos traficantes confere, no livro em que
são registradas informações sobre
as crianças, o que de fato foi escrito. "O controle é total", afirma ela.
No final do ano passado, quando os traficantes da favela declararam guerra contra os da comunidade vizinha, moradores foram
proibidos de usar telefone público, para evitar "vazamento de informações". Também foi vetada a
entrada de voluntários da Pastoral da Criança e de outras organizações não-governamentais.
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