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GILBERTO DIMENSTEIN
O Belo e o Monstro
Raras vezes se viu no Brasil, como na semana passada, uma concentração de cenas
de violência urbana que pareceriam exageradas até em filme de
suspense.
Em Campinas, policiais perseguiam um carro suspeito. O veículo capotou. Do porta-malas,
aberto na colisão, saiu uma mulher desesperada em companhia
de duas crianças, vítimas de uma
tentativa de sequestro. As crianças são portadoras de deficiência
mental.
Na cidade de São Paulo, assaltantes entraram numa casa de
classe média. Inconformados com
o fato de não encontrarem dinheiro, levaram o menino D., de
11 anos, que sofre de problemas
cardíacos.
Liberado depois de 15 dias de
cativeiro, o menino W., de 12
anos, tinha sido capturado com
sua mãe na região metropolitana
de São Paulo. A mãe foi espancada na frente do filho e, depois, solta para buscar o dinheiro.
Acusado de envolvimento nesse
crime -e apontado também como responsável pela morte de
Celso Daniel, prefeito de Santo
André-, Ivan Rodrigues da Silva, conhecido como Monstro, foi
preso na semana passada. E o
mais inusitado é que pediu compreensão para sua delinquência:
"Fiz do crime uma profissão. Não
sei fazer outra coisa, a não ser
roubar e sequestrar. Até pensei
em trabalhar, mas alguém emprega um condenado, um fugitivo, uma pessoa acusada de
assassinato?".
Na lógica da rotina criminosa,
a reportagem da Folha mostrou
como sequestrar passou a ser um
"bico": muitos dos presos não tinham ficha criminal.
O cantor Marcelo Pires Vieira, o
Belo, entregou-se à Justiça do Rio
e dormiu na cadeia, acusado de
envolvimento com traficantes.
Uma fita mostra acerto de negócios entre Belo e Valdir Ferreira,
apontado como gerente do tráfico
da favela do Jacarezinho, na zona
norte do Rio.
O Rio mobilizou-se depois do
desaparecimento do jornalista
Tim Lopes, da TV Globo, que levantava informações sobre como
se usavam drogas e se exploravam sexualmente meninas nos
bailes funks, dominados pelos
traficantes. Suspeitava-se, até
sexta-feira, de que o repórter tivesse sido cremado.
Belo e Monstro são, em essência, a mesma coisa: cresceram em
ambientes onde a transgressão legal faz dos chefes de gangues personagens não apenas temidos
mas respeitados. Os traficantes
são os "políticos", a elite que, na
falta do poder estatal, manda e
emprega, protege e pune.
É difícil viver nesses guetos sem
algum tipo de acerto com as gangues, implique ele o envolvimento
direto ou a omissão pelo silêncio.
Belo e Monstro revelam que
apenas algo parecido com um
Plano Marshall conseguiria resgatar os bairros empobrecidos, especialmente nas regiões metropolitanas brasileiras. O plano foi
lançado pelos americanos depois
da Segunda Guerra Mundial para ajudar a reconstruir a Europa.
Temia-se que a miséria, o desemprego e a falta de perspectiva fizessem que esses países se sentissem seduzidos pelo comunismo.
A poucos meses da eleição presidencial, os candidatos ainda não
apresentaram um plano com um
mínimo de consistência para enfrentar as usinas de "monstros".
Nenhum deles resistiria a uma sabatina séria. Nem Lula, que desceu para 40 pontos, segundo pesquisa publicada hoje pelo Datafolha, nem seu agora principal adversário, José Serra, que subiu para 21 pontos, isolando-se no segundo lugar.
A razão da fragilidade é simples. Os candidatos não conhecem
políticas de intervenção urbana
acopladas a programas de inclusão social -até porque, diga-se,
são raríssimas as experiências
brasileiras. E nenhum deles ainda
percebeu que, sem uma política
destinada exclusivamente à juventude, que combine geração de
renda com educação, não há política de segurança sustentável a
médio prazo.
A exemplo do Plano Marshall,
os morros, favelas e bairros periféricos deveriam ser encarados como "países" que, por causa da falta de perspectivas, correm o risco
de cair nas mãos de nações estrangeiras. Traficantes que se tornam líderes comunitários significam, de fato, a perda da soberania nacional.
Se, numa hipótese hoje absurda,
os argentinos tomassem uma ínfima área do território nacional e
fincassem ali sua bandeira, o Brasil os ameaçaria de guerra. Será
que os traficantes são tão melhores do que os argentinos?
Neste momento, não se vai tirar
o poder dos traficantes ou dos sequestradores apenas com a implementação de políticas sociais.
A polícia é, obviamente, imprescindível. Mas especialistas em políticas públicas sabem que isso é
pouco. Um "Plano Marshall" implicaria criar, reformar e transformar as escolas, os centros de
saúde, as áreas de lazer e as cooperativas de trabalhadores, assim
como ampliar os programas de
renda mínima já existentes (escola, alimentação, gás, erradicação
do trabalho infantil).
O grande passo é transformar
em agentes comunitários milhões
de jovens que vivem naquelas regiões, os quais passariam a receber um salário mensal. Assim, seriam gerados empregos para
quem só encontraria emprego no
tráfico e educação para quem
nunca encontraria educação,
provocando, ao mesmo tempo,
uma revitalização econômica de
áreas degradadas.
PS - Por falar em cenas de filme,
no tranquilo Paraná, para onde
estão fugindo paulistanos, sequestraram, na semana passada,
um filhote de são-bernardo. Pedido de resgate: R$ 100.
E-mail - gdimen@uol.com.br
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