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Policial tem de esconder sua profissão
DA REPORTAGEM LOCAL
Quando entrou para a Polícia
Militar, em janeiro de 1987, o cabo
Roberto (seu verdadeiro nome
não é este) seguia o chamado do
sangue. "Sou filho de policial, tenho três irmãos policiais, não saberia fazer outra coisa", disse ele à
Folha na noite de sexta-feira.
Não imaginou que, 16 anos depois, ele teria de esconder do
mundo a sua profissão.
Hoje, aos 36, cabo Roberto conta com pesar sua rotina, que começa às 5h da manhã de uma segunda-feira, quando acorda em
sua casa, numa das cidades da
Grande São Paulo.
Depois de se barbear, ele prepara a mochila indispensável.
Antes, ele saía fardado para o
trabalho, exibindo com orgulho
pelas ruas do seu bairro a condição de soldado da Polícia Militar.
De quebra, não pagava a passagem do ônibus.
Hoje, dobra a farda, enfia no
fundo da mochila e cobre com objetos. "O maior perigo é a bandidagem saber que você é policial",
revela. "Não vale a economia."
Por garantia, carrega o revólver
sob a blusa, camuflado. Mesmo a
identidade funcional vai escondida na carteira, ensanduichada entre dois documentos neutros.
"A maioria dos meus colegas
andava com o holerite. Agora,
ninguém faz isso." O receio é sofrer uma blitz ao contrário: ser parado por bandidos na ida ou na
volta da rota de casa.
Assim, quase escondido, o policial anda em direção ao ponto de
ônibus -a maioria dos soldados
recebe um salário de R$ 1.150, que
pode ser dobrado com o chamado "bico", o segundo emprego,
como é o caso do cabo Roberto.
Deixa para trás a mulher -que
o levou até a porta, como sempre,
e pediu o de sempre: "Volte vivo"- e três filhos.
O caçula ainda conta para os
amiguinhos na escola que o pai é
policial militar; as meninas, mais
velhas, uma delas pré-adolescente, não. Já sabem do perigo.
Na vizinhança, só os mais chegados conhecem a profissão de
Roberto. Sua rua termina em uma
favela, e os traficantes que dominam um pedaço dela não gostariam de saber da proximidade.
"Mesmo assim, vira e mexe alguém vem me pedir para interceder em alguma confusão", conta.
Da última vez que chamaram
por ele, convenceu um marido
bêbado a parar de bater na mulher e desistir da idéia de colocar
fogo na casa -só na conversa,
sem mostrar o distintivo nem a
arma, muito menos a farda.
Um dos receios mais frequentes
dos soldados é a vingança. "Todos
os dias, eu prendo muita gente e
não me lembro do rosto de 99%",
contabiliza o policial. "Só que cada um que prendi sabe muito
bem o meu e pode querer troco."
Jornada de 24 horas
No quartel, o dia começa às 7h e
vai durar 12 horas, durante as
quais cabo Roberto sairá com um
colega de carro para fazer patrulha e atender ocorrências. Para
tanto, recebe um revólver calibre
38 e um colete à prova de bala.
Cabo Roberto nunca foi atingido, mas já acertou pessoas num
tiroteio. Dois morreram. "Não sei
quem matou quem, pois havia
mais soldados. Quando é determinada a legítima defesa, não se
verifica a autoria dos disparos, todas as armas são apreendidas."
Vencidas as 12 horas, encara outras 12 no bico, emendando 24 horas acordado. No dia seguinte, terá folga na PM, mas não no segundo emprego; aproveitará então para dormir um pouco pela
manhã e à tarde. "É meu único lazer, dormir", conta, "um pouco
mais nos finais de semana."
Até as 5h da próxima segunda,
quando começa tudo de novo.
(SÉRGIO DÁVILA)
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