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DANUZA LEÃO
O prazer de reclamar
Não há nada pior do que um
namorado ciumento, daqueles que, quando você diz que
foi ao cinema, ele pede para contar o filme (só para conferir se era
verdade).
Para eles não existe a realidade
nem os fatos, e nem precisa: afinal, para que serve a imaginação?
Se ela diz com ar sonhador que
adora uma música antiga de Chico e cantarola "quero ficar no seu
corpo feito tatuagem", por exemplo, ele imediatamente imagina
que um dia ela foi louca por alguém, que a letra da música tinha
tudo a ver com a história que estava vivendo na época e, não contente, visualiza a cena como se estivesse assistindo a um filme. Aí
fica de mau humor, se rói por
dentro, e cabe a ela adivinhar a
razão dessa súbita mudança de
comportamento, que, aliás pode
durar dias.
Ele telefona o dia inteiro para
saber o que ela anda fazendo e,
mesmo tendo consciência de que
com o celular qualquer pessoa pode dizer que está na igreja rezando e estar num motel, ele não a
deixa em paz. É duro, homem
ciumento (e mulher também).
Existem alguns -não no Rio e
em São Paulo- que proíbem
suas namoradas de usar vestido
muito curto e decotes exagerados
e ainda dizem a famosa frase
"desse jeito você não sai comigo"
-ameaça das mais graves.
Ela tem que se comportar como
se nunca tivesse tido um romance
na vida, portanto não pode jamais citar o nome de um antigo
namorado e deve agir como se
fosse virgem -em todos os sentidos- quando o conheceu. Como
seria possível suportar o fato de
algum dia ela ter tido uma paixão que não ele? É preciso ter
uma grande compreensão para
com os ciumentos e também uma
grande compaixão, pois ninguém
sofre mais do que eles.
Um coração ciumento não tem
um minuto de sossego; quando
não existem razões para ter ciúmes do presente, existem o passado e o futuro, que são incontroláveis, e dos quais ninguém escapa.
Qualquer referência é capaz de
acender a fagulha fatal, seja porque alguém se referiu ao Carnaval de 1998, seja por uma foto antiga dentro de um livro, ou a pior
de todas: os filhos do outro casamento, prova viva de que houve
outro antes dele. E se esses filhos
se parecerem com o ex e ela for
uma boa mãe, é claro que a cada
vez que olha para as crianças deve estar lembrando do passado e
com saudades dos tempos felizes
que viveu -na cabeça dele, é claro. E mesmo que ela tenha largado o marido para ficar com ele, isso não prova nada -também na
cabeça dele, é claro. Gente ciumenta é um perigo.
Se eles não chegam a examinar
a bolsa e a carteira, estão sempre
atentos como um delegado de polícia de filme francês, e se encontrar o extrato do cartão de crédito, não há Cristo que os impeça de
examinar conta por conta, sobretudo as de restaurante. A vida
moderna não dá chance nem a
uma traiçãozinha leve.
É duro viver com um homem
assim, mas tem pior: são aqueles
que são impermeáveis aos
ciúmes.
Eles ficam amigos dos ex-namorados, têm uma ótima relação
com o pai das crianças e são capazes de ouvi-la contar como foi
aquela paixão louca que acabou
tão mal e pela qual ela sofreu tanto. Ele compreende tudo (e não há
nada pior do que um homem
compreensivo).
Entre um homem ciumento e
aquele a quem nada abala? O
ciumento, é claro.
Não há maior prova de falta
de amor do que a ausência de ciúmes -pelo menos, na cabeça
delas.
E, em ambos os casos, são
duas excelentes razões para ela
reclamar.
E-mail - danuza.leao@uol.com.br
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