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ÍNDIOS
Médicos se aproximam de líderes indígenas para passar a atender pacientes das tribos e trocar experiências de tratamento
Pesquisadores montam "escola de pajés"
AURELIANO BIANCARELLI
ENVIADO ESPECIAL AO RIO NEGRO
Uma parceria aparentemente
inviável, entre o médico de estetoscópio no pescoço e o pajé de
cocar na cabeça, vem sendo experimentada e avaliada nas regiões
do Médio e Alto Rio Negro (AM).
São reservas indígenas na divisa
com a Colômbia e a Venezuela,
onde 21 mil índios ocupam 720 aldeias numa área de 108 mil km2.
Ali, os oito médicos que percorrem essas aldeias procuram entrar nas cabanas acompanhados
dos pajés ou kumus [os benzedores], que facilitam a mediação, o
diagnóstico, as explicações e a
medicação ao paciente.
Depois de 50 anos de doutrinação salesiana, durante os quais os
benzedores tiveram que esconder
seus poderes e os pajés "fingiram"
que desapareceram, o renascimento dessas entidades começa a
ser valorizado. Aos poucos, estão
sendo incentivados a sair da clandestinidade. Associações como o
Centro de Revitalização da Cultura Indígena de Iauareté (Cerci),
coordenado pelo kumu tucano
Guilherme Maia, é dessas iniciativas que têm o apoio de organizações internacionais e da Organização Mundial de Saúde.
A proposta é revitalizar elementos centrais das culturas indígenas
do Uaupés/Rio Negro, o que facilitaria a parceria entre os profissionais médicos e os pajés.
"Estamos trabalhando para que
os profissionais de saúde entendam que é necessário uma relação
entre as duas medicinas", diz o
antropólogo Renato Athias, coordenador do núcleo de estudos e
pesquisas em etnicidade da Universidade Federal de Pernambuco e assessor de duas importantes
organizações que trabalham no
Alto Rio Negro. Uma delas é a Associação Saúde Sem Limites, a outra é a Foirn, Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro.
Com a experiência e o profissionalismo de quase duas décadas, a
Foirn é hoje a parceira da Funasa
(Fundação Nacional da Saúde)
nos cuidados médicos de toda a
população desse distrito sanitário
indígena.
Culturas
Athias diz que há mais de 20
anos está no encalço dessas culturas e tradições, sempre em contato com o que chama de "sabedores indígenas". São três os personagens indígenas que detêm e
passam de geração a geração os
poderes xamânicos. O que nós
chamamos de pajé, entre os tucano é chamado de yaí. O segundo é
o baiá, o terceiro, o kumu.
Segundo Athias, o yaí é o mais
poderoso. Ele cura pela água, pelo
sussurro, pelo sopro, e vai buscar
na mitologia a causa da doença. O
baiá cura pela música. Enquanto
o yaí toca no corpo da pessoa e
cuida de sua enfermidade, o baiá
faz a proteção de todo o ambiente,
da maloca, da família, da aldeia. O
kumu, o benzedor, cura pela palavra e pelas plantas.
Desde 1999, por meio da Associação Saúde Sem Limites, Athias
vem conseguindo reunir anualmente esses "sabedores indígenas", a maioria kumus, pois há
poucos baiás e os yaís nem se
identificam. Hoje, as assembléias
são chamadas de "encontros de
medicina tradicional".
O jornalista viajou a convite da Foirn
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