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URBANISMO
Para Joan Clos, prefeito de Barcelona, o modelo de cidade extensa está condenado por encarecer o serviço público
"SP tem de se tornar uma cidade compacta"
MARIO CESAR CARVALHO
DA REPORTAGEM LOCAL
A realização de megaeventos,
como as Olimpíadas e as exposições universais, é o caminho mais
curto para recuperar áreas urbanas degradadas. A conclusão é do
prefeito de uma das cidades mais
bem-sucedidas em converter degradação em urbanismo admirável: Joan Clos, 55, o médico epidemiologista que está à frente da administração de Barcelona desde
1997, em seu segundo mandato.
"Quando se sonha com a transformação de uma parte da cidade,
é melhor ter um motivo contundente para somar esforços", diz.
Com os megaeventos, segundo
ele, o poder público e o setor privado conseguem trabalhar em
uníssono, já que existem objetivos
comuns.
Clos, filiado ao Partido Socialista Catalão, chegou na última
quinta-feira a São Paulo para participar da reunião da CGLU (Cidades e Governos Locais Unidos),
entidade que reúne prefeitos de
mais de cem cidades do mundo.
Em entrevista à Folha, defendeu o
modelo compacto de cidade, que
vigora na Europa.
A "cidade esparramada", como
ocorre nos Estados Unidos, é um
modelo condenado porque é
muito caro oferecer serviço público de qualidade em grandes áreas.
"Se as cidades não forem compactas, não serão sustentáveis",
defende na entrevista a seguir:
Folha - Qual é a razão do sucesso
de Barcelona na recuperação de
áreas degradadas?
Joan Clos - Barcelona é a capital
da cultura catalã. É, portanto,
uma cidade com vontade de afirmar-se como uma grande cidade,
com um certo grau de excelência.
Barcelona é, talvez, o produto
mais visível da cultura catalã.
Folha - Foi com a Olimpíada de
1992 que a degradação começou a
ser atacada?
Clos - Não. A cidade adquire
energia com certa periodicidade
por meio da realização de grandes
acontecimentos. Isso aconteceu
no século 19 com a exposição de
1888, quando fizemos a primeira
grande transformação de Barcelona. Com a exposição, houve um
grande salto urbanístico em Barcelona. Na exposição internacional de 1929, aconteceu o mesmo.
Desta vez se urbanizou Montjuic
[área com morros no subúrbio].
Quando tivemos os Jogos Olímpicos, conseguimos virar a cidade
para o mar e recuperar a frente
marítima. Utilizamos esses grandes acontecimentos para transformar a cidade.
Folha - Como a prefeitura fez para atrair capitais privados nessas
obras?
Clos - O setor público e o setor
privado coordenaram as suas intervenções e conseguimos trabalhar em uníssono. O setor público
faz as obras públicas e o setor privado faz os hotéis, os centros de
convenções, as indústrias.
Folha - Não é difícil atrair capital
privado sem a promoção de grandes eventos?
Clos - Depende de cada cidade.
Quando se sonha com a transformação de uma parte da cidade, é
melhor ter um motivo contundente para somar esforços e gerar
os consensos necessários para fazer a transformação.
Folha - Dessa experiência de recuperação, há alguma lição que
São Paulo possa aprender?
Clos - Nós não pretendemos ensinar ninguém. Uma das coisas
que aprendemos é que não há soluções gerais; todas as soluções
são locais. Os modelos de cidade
que existem são teóricos e o mais
provável é que, se alguém segui-lo, vai se equivocar estrepitosamente. Tem de haver excitação local e vontade de mudar: vamos fazer algo grande. Com um grande
evento, você consegue plasmar as
energias. Isso aconteceu em Barcelona, Sydney ou Atenas.
Folha - Mas Sevilha tentou uma
mudança com a exposição universal de 1992 e fracassou. Qual foi o
erro?
Clos - Sevilha, porém, já é uma
cidade muito bonita e não tem
grandes problemas. E toda a zona
onde foi feita a Expo está agora
cheia de novos projetos e acabará
sendo uma grande área. Foram
nos anos 50 e 60 que várias cidades quebraram ao fazer grandes
acontecimentos. Isso foi por causa de um erro daqueles anos. Os
planos eram feitos sem muito tino, sem sensatez. Agora já se sabe
que não se pode fazer investimentos só para os Jogos Olímpicos, só
para a Expo. É o contrário: você
faz os investimentos para mudar a
cidade e deixa que os eventos a
utilizem por umas semanas ou
meses. Foi a metodologia de Barcelona que mudou o sentido da
construção dos grandes equipamentos olímpicos -não para os
Jogos, mas para depois. Toda a arquitetura e o urbanismo precisam
ser pensados para a cidade.
Folha - Os críticos da reformulação urbana de Barcelona dizem
que por causa dela "a cidade é onde se enriquece mais rapidamente
no mundo". Isso é verdade?
Clos - Não. O que acontece é que
antes do euro o preço dos terrenos em Barcelona era muito barato. Hoje, nas áreas mais caras da
cidade, o metro quadrado custa
6.000 [cerca de R$ 21 mil]. É alto,
mas é o mesmo padrão de Paris
ou Londres.
Folha - O fenômeno mais comum
quando se recupera uma área degradada é que os preços dos imóveis sobem e os mais pobres são expulsos para bairros mais distantes
por causa da especulação. Como
enfrentar esse tipo de perversão
urbana?
Clos - Em Barcelona só conseguimos recuperar várias áreas
porque fizemos um acordo de
que nenhum dos moradores teria
de sair de onde morava. Aconteceu assim em toda a área perto do
mar. Se não houvesse esse acordo,
a reforma não sairia por causa dos
protestos. O que acontece lá é que
não chegam mais pobres a esses
bairros porque os preços são outros. Mas os antigos moradores
não são expulsos.
Folha - Há algum tipo de programa social para essas pessoas que
não podem usufruir das áreas recuperadas?
Clos - Claro. A Prefeitura de Barcelona investe em habitações públicas -20% das moradias feitas
anualmente na cidade são públicas. Você não pode ter ilusões de
que o mercado vá oferecer habitação para os mais pobres. Isso não
acontece. Oferecer habitação para
os mais pobre é uma função do
poder público, assim como a educação e a saúde. São essas coisas
que formam o Estado do bem-estar social.
Folha - De onde saem os recursos
para investir em habitação?
Clos - Das taxas que a prefeitura
recebe nas áreas recuperadas.
Quando se recupera uma área,
aumenta automaticamente os tributos recolhidos ali, porque os
preços sobem.
Folha - O sr. defende o modelo de
cidade compacta, como é o caso de
Barcelona e da maioria das cidades
européias. Acha que é possível
aplicar esse modelo em São Paulo,
que se parece mais com as cidades
americanas?
Clos - As cidades americanas são
assim porque havia muita terra e
ela era barata. Por isso elas são esparramadas. Na Europa, como
somos pobres, não temos como
sustentar cidades tão grandes [ri
da própria piada]. Nós temos séculos de história de cidades amuralhadas. Nesses locais, há um desejo de viver juntos e há também
uma clara separação entre a cidade e o campo.
As cidades extensas precisam
muito de carros, o que contamina
o ar, e os serviços urbanos são
muito caros. Por isso há muitas
zonas onde não há serviços urbanos. Se você quer ter muitos serviços urbanos de muita qualidade,
com metrô, calefação, escola, polícia e padaria a cinco minutos de
sua casa, tem de estar numa cidade densa.
Folha - Mas isso é possível numa
cidade esparramada de 10 milhões
de habitantes?
Clos - Eu vi aqui áreas que são
muito densas. Compactação não
quer dizer só cidade densa; quer
dizer mais coisas. Creio que São
Paulo e as cidades vão evoluir para a urbanização compacta. Se as
cidades não forem compactas,
não serão sustentáveis. A tendência são as cidades auto-contidas.
As megalópoles terão núcleos
contidos e muito bem conectados
entre si, com espaços naturais vazios no meio. Só assim se evita a
urbanização indiscriminada.
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