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SAÚDE
Aumento de 50% faz parte de um pacote de ações do Ministério da Saúde; religiosos e médicos consideram o remédio abortivo
Cresce distribuição da pílula do dia seguinte
GABRIELA ATHIAS
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
CLÁUDIA COLLUCCI
DA REPORTAGEM LOCAL
O Ministério da Saúde vai aumentar em 50% a distribuição do
contraceptivo de emergência,
mais conhecido como pílula do
dia seguinte, na rede pública de
saúde. A medida é bastante polêmica porque há grupos religiosos
e médicos contrários ao método
por considerá-lo abortivo.
No ano passado, foram distribuídos na rede pelo menos 120
mil contraceptivos de emergência
a cerca de 2.000 cidades, segundo
informação de movimentos feministas que acompanham a distribuição dessas pílulas.
O medicamento é indicado para
evitar gravidez indesejada e deve
ser tomado até 72 horas após o ato
sexual. A pílula causa, entre outras reações, uma esfoliação do
útero, dificultando a fixação de
um eventual óvulo fecundado.
Para a Igreja Católica, antes de
se fixar no útero, o óvulo fecundado já é o início de uma vida humana. "Se ele [o óvulo] for expelido
antes da sua fixação no útero, já se
trata de aborto", afirma o professor Humberto Leal Vieira, membro vitalício da Pontifícia Academia para a Vida, um escritório do
Vaticano para questões éticas.
Já a Sociedade Internacional de
Ginecologia e Obstetrícia conceitua a gravidez a partir da nidação,
ou seja, da fixação do embrião na
camada que reveste o útero (endométrio). Mas nem entre os médicos há consenso.
"É hipocrisia negar que a pílula
seja abortiva. Ela é abortiva sim e
a mulher precisa estar informada
para tomar uma decisão consciente", diz o médico Marcelo Zugaib, chefe do departamento de
ginecologia e obstetrícia do Hospital das Clínicas de São Paulo.
E Zugaib não é exceção. Pesquisa com 579 ginecologistas brasileiros, publicada em 2001, mostrou que 30% deles consideravam
a pílula abortiva. Na opinião de
Jorge Andalaft Neto, da Febrasgo
(Federação Brasileira das Sociedades de Ginecologia e Obstetrícia), hoje a situação deve ser outra
porque os profissionais estão
mais bem informados sobre a
ação do contraceptivo.
Andalaft Neto, que preside a comissão de violência sexual e de interrupção da gestação prevista em
lei da federação, afirma que há
muitos estudos demonstrando
que a pílula não provoca o aborto
caso a mulher já esteja grávida.
O contraceptivo de emergência
vem sendo sugerido pela rede pública, principalmente, em duas situações: quando o método usado
pelo casal falha (especialmente a
camisinha) ou no caso de violência sexual contra a mulher.
"Nossa preocupação deve ser
com a saúde pública, com a saúde
da mulher, com o direito de opção. Respeitamos totalmente a visão da igreja e seus princípios,
mas, como autoridades de saúde
pública, nossa preocupação deve
ser com a saúde da população",
disse o ministro da Saúde, Humberto Costa.
Polêmicas éticas e morais à parte, médicos e grupos feministas
vêem na decisão do governo uma
porta para a diminuição dos casos
de abortos clandestinos. O aborto
é a terceira causa de morte materna e a quinta causa de internação
na rede pública de saúde do país.
Abortos
Segundo a médica Fátima Oliveira, secretária-executiva da organização não-governamental
Rede Feminista de Saúde, estima-se que as brasileiras façam anualmente 1 milhão de abortos clandestinos. Cerca de 250 mil mulheres são internadas por ano na rede
pública por abortos provocados.
A mortalidade materna atinge
74 entre 100 mil mulheres nas capitais, e a meta do governo é reduzir em 25% essa taxa até 2006.
Em todo o país, há cerca de 80
serviços que atendem mulheres
vítimas de violência sexual, mas
nem todos fazem aborto. Alguns
apenas oferecem exames para
identificar se a vítima contraiu
doenças. Assim, muitas mulheres,
especialmente as de baixa renda,
ainda têm dificuldades de acesso
ao aborto legal mesmo nos casos
assegurados por lei -quando a
gravidez coloca em risco a vida da
mulher ou em casos de estupro.
Em 2002, foram feitos na rede
pública 946 abortos legais -os
números de 2003 ainda não foram fechados.
De acordo com Andalaft Neto,
houve uma queda de 60% nos pedidos de aborto legal desde o início da distribuição dos contraceptivos nos serviços que atendem
mulheres vítimas de violência.
Segundo a Folha apurou, o objetivo do governo é colocar as pílulas do dia seguinte não apenas
nos serviços que atendem mulheres vitimizadas sexualmente, mas
em postos de saúde para que mais
mulheres -que se enquadram
nas situações indicadas para tomar o medicamento- possam
ter acesso a ele.
Além de colocar mais contraceptivos de emergência na rede
pública, o médico Andalaft Neto
defende que o governo também
facilite o acesso das usuárias às
consultas médicas. Nos postos de
saúde, o prazo para a mulher conseguir uma consulta dificilmente
é menor do que uma semana, o
que inviabilizaria o uso do contraceptivo de emergência.
O incremento da oferta da pílula
do dia seguinte é uma das sete diretrizes da Política Nacional de
Atenção Integral à Mulher, que
deverá ser lançada em maio, com
cerimônia no Palácio do Planalto.
O contraceptivo de emergência
entrou no cardápio de medicamentos da rede pública em 2002,
quando foram distribuídas 100
mil doses do remédio para aproximadamente 400 cidades com
mais de 50 mil habitantes.
A pílula até hoje é distribuída
aos municípios nos chamados
kits complementares com os métodos contraceptivos que necessitam de acompanhamento médico
mais assíduo, caso do DIU (Dispositivo Intra-Uterino) e dos anticoncepcionais injetáveis.
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