|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
DANUZA LEÃO
Uma questão de tom
Qual é a sua cor? Tem certeza? Pode até ser, mas certeza
mes-mo ninguém tem.
Alguém lançou a brilhante
idéia de reservar 20% das vagas
das universidades para negros
pobres. O candidato preencherá
um formulário declarando sua
cor, e detalhe: junto, uma foto,
para que a direção do estabelecimento concorde -ou não- com
essa declaração. A idéia é que, entre um branco pobre e um negro
pobre, o negro deva ser o privilegiado. Mas no Brasil, onde a Lei
Afonso Arinos pune o preconceito
racial com cadeia, vai começar de
novo o papo de saber quem é negro e quem não é? Mesmo que a
discriminação seja para o bem, a
gente vai se sentir um pouco na
Alemanha de Hitler, e a história
prova que essas coisas não costumam dar certo.
Ninguém tem certeza de suas
origens. Por mais que, numa família, todos sejam louros de olhos
azuis, ninguém pode garantir que
uma vaga bisavó, numa noite de
lua cheia, cansada da monotonia
de cabelos tão lisos e carnes tão
brancas, não tenha caído nos braços de um mulato bonito. Se nove
meses depois nasce uma criança
transparente de tão clara, isso
não quer dizer que três ou quatro
gerações mais tarde não possa
nascer uma moreninha cor de canela que vai espantar a família
inteira -aquela família que todos tinham certeza de ser branca.
As leis da genética não são nada
seguras, e bem fez Fernando Henrique quando disse que tinha um
pé na cozinha. Aliás, todo brasileiro tem esse pezinho, mesmo
que não pareça. Até Xuxa.
Se Michael Jackson quisesse entrar numa universidade brasileira e se declarasse negro, seria
aceito ou sua cor seria discutida
na Justiça? O problema é o tom,
já que entre o branco e o negro
existem infinitas nuances: o café
com leite, o achocolatado, o cor-de-rosa, o café, o branco amarelado, o cor de jambo (no deserto,
existem homens que são azul-marinho, de tão pretos), a gengiva
mais roxa ou mais cor-de-rosa, e
não me consta que exista algum
meio de comprovar -de maneira definitiva- se alguém é branco ou negro.
Negros bonitos, com a pele cor
de trufa de chocolate e a pele brilhante como um cetim são os que
mais se orgulham de sua cor, proclamando que black is beautiful;
quando, além de serem lindos,
são artistas, melhor ainda. Mas
um branquinho pobre, feioso,
com um cabelinho ruim e a pele
de um cinza meio embaçado, não
vai achar a menor graça em se declarar negro -e se for esse o preço
para entrar na universidade, talvez ele prefira um trabalho alternativo. Se ninguém souber quem
é o pai, o filho de Pelé vai ter
-por lei- mais direito a uma
vaga na faculdade do que o filho
do porteiro do meu prédio, que é
mais branco do que Branca de
Neve? E se houver uma vaga só,
disputada por um branco e um
negro, ambos pobres, quem leva?
O pior é que muita gente que
nunca parou um minuto para
pensar a que raça pertence -o
que, aliás, é a melhor resposta para o preconceito- vai começar a
pensar na sua própria raça (e na
dos outros).
E-mail - danuza.leao@uol.com.br
Texto Anterior: Brasil é exemplo, diz especialista Próximo Texto: Atmosfera Índice
|