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GILBERTO DIMENSTEIN
Os falsos bonzinhos
Durante café da manhã,
na quinta-feira passada, em
São Paulo, o ministro do Trabalho, Jaques Wagner, defendeu o
alívio dos custos da folha de pagamento para as pequenas e microempresas a fim de que pudessem tirar seus funcionários da informalidade -a informalidade,
como todos sabem, significa 25
milhões de trabalhadores brasileiros sem proteção alguma.
Entre as alternativas possíveis,
ele afirmou que empregados e
empregadores deveriam negociar
até mesmo o 13º salário, substituindo-o por alguma compensação. Pragmático, o ministro sustentou ser melhor um trabalhador com menos direitos do que
um sem nenhum direito. É uma
afirmação ousada para um ex-dirigente sindical do PT.
Naquela mesma manhã, o ministro começou a pagar o preço
daquela ousadia e, acuado pelo
bombardeio dos sindicalistas,
tentou burilar suas idéias.
Os sindicalistas sustentam que
flexibilizar direitos para determinado tipo de empresa é criar trabalhadores de segunda classe. Bonito argumento: faz de quem oferece alternativas pragmáticas um
indivíduo socialmente insensível,
cruel até. Mas o problema é que a
realidade está criando, sem parar, trabalhadores de terceira
classe, que vivem atualmente como se estivessem no início do século passado.
O IBGE revelou recentemente
que, em 2002, foi criado na região
metropolitana cerca de 1 milhão
de empregos. Apesar disso, a taxa
de desemprego cresceu porque o
número de vagas foi menor do
que o da entrada da mão-de-obra
no mercado de trabalho. Do total
dos novos empregos, 77% (vamos
repetir, 77%) são informais.
Vemos, ano a ano, crescer a proporção de trabalhadores sem direitos, a maioria deles nas pequenas e microempresas -já beneficiadas pela redução de impostos.
O óbvio: como os informais não
descontam para a Previdência,
esburaca-se ainda mais o Orçamento público e dificulta-se a redução de impostos.
Daí muitas vezes sensibilidade
social descolada da realidade, tão
comum no PT dos tempos da oposição, ser apenas uma manifestação de falsa bondade -mais
atrapalha do que ajuda a quem
se pretende defender.
É bem mais fácil apontar a "insensibilidade" de quem discute
alternativas para flexibilizar os
custos da folha de pagamento do
que as consequências de garantias sociais sem contrapartida
econômica. Mais difícil é entender como os rombos nas contas
públicas (e aí se destaca a previdência pública e privada) esmagam o trabalhador.
Na semana passada, divulgou-se mais um recorde: a carga de
impostos atingiu, em 2002,
35,86% do PIB, soma dos serviços
com os produtos da economia.
Traduzindo: R$ 474 bilhões. Essa
carga aumentou 20% nos últimos
cinco anos. Se as reformas propostas pelo presidente Lula forem
aprovadas, esse peso se tornará
ainda maior.
As empresas são estranguladas
pelo excesso de impostos combinado com os juros altos. Em poucas palavras, geram menos empregos, sonegam impostos ou preferem contratar trabalhadores na
clandestinidade, num círculo vicioso. Diminuir a informalidade é
diminuir os rombos da Previdência; assim, abrem-se perspectivas
de menos impostos e menos juros.
Uma das riquezas do debate
atual é a crescente percepção do
trajeto dos recursos públicos, que
desfaz visões simplórias da guerra
entre a elite patronal e a massa de
trabalhadores. Os interesses de
um trabalhador sindicalizado, de
carteira assinada, e os dos informais são diferentes, assim como
são diferentes os interesses de empregados e empregadores.
O interesse comum é que, com
baixo crescimento, patrões e empregados, em maior ou menor
grau, saem perdendo; não se pode
crescer sem quebrar privilégios e
flexibilizar direitos.
A falsa bondade pode lustrar a
imagem de quem depende de votos de eleitores ou sindicalizados,
porém é a alternativa mais cômoda. O que está em debate, de verdade, é a incômoda questão de
preferirmos ou não que os trabalhadores de terceira classe tenham a chance de subir para a segunda classe. E, mais ainda, de
aqueles trabalhadores sem classe,
os desempregados, poderem subir
para algum lugar.
PS - Por falar em privilégios, os
cineastas acabam de demonstrar
uma impressionante capacidade
de articulação em torno da exigência de contrapartida social na
aprovação de projetos. Conseguiram, sem exagero, ganhar mais
espaço na mídia do que os inativos. Eles têm todo o direito de exigir que o poder público não interfira em suas obras. Mas os cidadãos, que bancam os patrocínios,
têm o direito de exigir que os bens
culturais beneficiem os mais pobres. As obras patrocinadas com
dinheiro público, quaisquer que
sejam -peças de teatro, exposições, filmes, livros-, deveriam
estar associadas a programas
criados para atingir os professores
e estudantes de escolas públicas.
E-mail - gdimen@uol.com.br
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