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DANUZA LEÃO
Prazeres inesquecíveis
Entrei numas de saudosismo
(mas daqui a pouco passa) e
acordei hoje pensando nas comidas da minha infância.
No interior, a variedade não era
tão grande assim, mas existiam
certos rituais: sexta-feira era dia
de comer peixe, e domingo, dia de
arroz de forno.
O arroz era normal, mas enfeitado com rodelas de tomate e de
ovo cozido. E o acabamento era
de pó de rosca. Acompanhando,
um pernil de porco assado, coberto por fatias bem finas de limão.
O arroz e o pernil eram sempre
iguais, mas esse almoço de domingo era sempre uma emoção,
até porque nesse dia se almoçava
mais tarde, às duas horas. As sobremesas eram sempre compotas
das frutas mais corriqueiras -de
jaca, de laranja-da-terra-, banana-da-terra frita ou arroz-doce
polvilhado de canela.
Durante a semana, tinha sempre um bolo, e minha melhor recordação era um feito no tabuleiro, coberto com uma pasta de
açúcar cristalizado e limão. Não
tenho nenhuma recordação de
chocolate na minha infância,
mas, em compensação, o açúcar
cristalizado se comia puro, na colher, de tão bom.
Um dia meus pais fizeram uma
viagem ao Rio de Janeiro e me levaram; foi quando tive meu primeiro deslumbramento culinário. Fomos a um restaurante -o
primeiro da minha vida-, e comi um prato extraordinário: um
filé a cavalo.
Mas não era um filé qualquer:
na base do prato, uma folha de alface, depois a carne, em cima dela
uma rodela de tomate, depois um
ovo estrelado e, coroando tudo,
uma azeitona. Como acompanhamento, petit-pois de lata, coisa que, como a azeitona, eu nunca havia visto na vida. Azeitona e
petit-pois, que maravilha! Quando voltamos para casa, quase
enlouqueci a empregada, pois
queria comer filé a cavalo todos
os dias -e com todos os enfeites.
Mas o petit-pois e a azeitona ficaram para depois: não havia nas
boas casas do ramo.
Quando tinha dez anos, viemos
morar no Rio, e aí fui apresentada a coisas muito requintadas
(apresentada é modo de dizer
-eu só olhava). Eram as tortas
nas vitrines das confeitarias, cobertas de creme e enfeitadas de
cerejas. Ah, que vontade de comer
um pedaço daquela torta! Mas
elas não eram vendidas em pedaços, só inteiras, e aí, já viu. Quando fiz 12 anos, negociei: no lugar
de um presente de aniversário,
queria ganhar uma torta daquelas. Mau negócio: a torta não tinha gosto de nada, vivendo e
aprendendo.
No Rio, podia-se comprar petit-pois em lata e, no armário da cozinha, havia sempre umas três;
quando eu levava uma amiguinha para almoçar -e só nessas
ocasiões-, minha mãe dizia à
empregada: "Faça dois ovos fritos
com petit-pois". E ainda acrescentava: "Na manteiga". Sim,
porque naquele tempo ainda se
usava banha para cozinhar, e
manteiga era mais sofisticado, digamos assim.
Um dia houve um alvoroço no
bairro (Copacabana): era a inauguração das Lojas Americanas,
que tinha ao lado uma lanchonete. Foi lá que comecei a conhecer,
verdadeiramente, as boas coisas
da vida.
Era difícil fazer o pedido, pois
eram coisas -e muitas- de que
jamais havia ouvido falar. A primeira delas: cachorro-quente e
Coca-Cola. O cachorro-quente
custava 1 -um o quê?-, e a Coca-Cola também 1; mas, se pedisse
os dois, saía tudo por 1,50; fiquei
deslumbrada.
Mas tinha mais: os sundaes cobertos de calda de caramelo e castanhas de caju picadas e o banana-split. Para quem não sabe,
eram três bolas de sorvete com
calda de marshmallow e, no fundo, uma fatia de banana. Que
fantástico! Eu esperava a semana
inteira para poder ir a esse lugar
dos deuses comer essas coisas divinas -o que só acontecia aos sábados.
Nem a primeira vez que comi
caviar, nem a primeira vez que
comi uma trufa inteira envolta
em massa folheada com molho da
própria trufa me fizeram sentir a
emoção do meu primeiro banana-split.
Saudade das Lojas Americanas?
Não: saudade de mim.
E-mail - danuza.leao@uol.com.br
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