São Paulo, domingo, 11 de agosto de 2002

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FAMÍLIA

Eles presenteiam quem os cria, mas não conseguem anular a curiosidade de saber quem doou o sêmen que lhes deu vida

Filho gerado por inseminação tem Dia dos Pais "estranho"

DÉBORA YURI
DA REVISTA

O Dia dos Pais é uma data esquisita para a estudante canadense Olivia Pratten, 20. Embora dê presentes, ela se sente em um quebra-cabeça desconjuntado. Filha legítima de um casal em que o marido era estéril, Olivia foi gerada com sêmen de um doador anônimo.
Do pai biológico, tem identificações superficiais, como "cabelos loiros", "olhos azuis" e "tipo sanguíneo A positivo". "O pouco que sei sobre ele lembra a ficha policial de um criminoso", diz, por telefone, de sua casa em Nanaimo.
Embora "diferente", sua concepção surgiu de um gesto positivo, uma boa ação. Mas a angústia pelo "elo perdido" persiste. "Meu pai já me perguntou: "Não está contente comigo? Por que ficar obcecada atrás de outro pai?'", diz Olivia. "Só quero juntar as peças do meu quebra-cabeças", explica ao pai "de direito", Allan Pratten.
Até os 18 anos, o cinegrafista canadense Barry Stevens, 50, vivia em Winnipeg (Canadá), com pai, mãe e uma irmã. Quando o marido morreu num acidente, a mãe contou que ele era estéril e os dois irmãos haviam sido gerados com sêmen de doador desconhecido.
Há dois anos, foi com a irmã para Londres, onde a mãe fez a inseminação. Não acharam o doador, mas acabaram conhecendo um meio-irmão, um advogado gerado de sêmen do mesmo homem.
A busca dos inseminados não é como procurar uma figura paterna. "Para a maioria, ele é mais um amigo, alguém a quem gostariam de agradecer", diz David Towles, um dos diretores do banco de sêmen norte-americano Xytex.
"A busca se torna fundamental quando a pessoa busca a identidade adulta. A mãe representa o lado mais infantil, a dependência. Ele precisa do pai para amadurecer", diz o psicanalista José Otávio Fagundes, 60, da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo.
A aeronauta carioca Bárbara*, 36, homossexual, sempre quis um filho. Achou a opção do doador desconhecido melhor que recorrer a um amigo. "Queria ver as fotos dos doadores, no Brasil isso não é possível, o sigilo é absoluto. Recorri a um banco dos EUA."
Gerado com sêmen de um fotógrafo americano, Breno, de dez meses, tem à sua espera uma pasta com informações sobre os hábitos, preferências e até uma foto do seu pai biológico na infância. "Ele vai saber de tudo e, se quiser procurá-lo, não vou me opor."
Fantasias e dúvidas ganham estímulo sempre que algo parece inacessível, diz Luiz Cuschnir, psiquiatra do Hospital das Clínicas da USP. "Pensar no pai biológico desconhecido amplia uma indagação possível para qualquer pessoa: "O que seria de mim se tivesse nascido de outro pai?'"


* Nomes trocados a pedido

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