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DANUZA LEÃO
Dias difíceis
Ela sempre viveu sem
planos e sem nenhum objetivo definido.
Nunca desejou ser especialmente nada: nem médica, nem modelo, nem economista, nem atriz famosa -ou ser rica e ter uma casa
com piscina. Estava sempre tão
preocupada em viver o momento
presente, sem tempo para parar e
pensar, que foi optando à medida
que as coisas foram acontecendo.
E elas nunca pararam de acontecer. Fez algumas escolhas certas, muitas erradas, mas de uma
coisa não pode se queixar: de ter
tido uma vida monótona. Hoje se
pergunta: será que um destino
palpitante é só para alguns poucos? Ou será que a distância entre
ter uma vida de tédio ou uma
cheia de aventuras não depende
apenas das escolhas que se faz?
Lembra da história de uma tia-avó que morava numa cidadezinha que só tinha uma rua, no interior do Espírito Santo. Casada,
com dois filhos e cercada pela família, ela -lá pelos anos 20,
quando as mulheres mal tinham
permissão para chegar à janela-
começou a trocar olhares com um
tenente que aparecia às vezes na
cidade. O namoro prosperou
-como, ninguém sabe-, e um
dia resolveram fugir. Combinaram de se encontrar num lugar
longe da cidade, no meio do mato, perto de uma determinada árvore; saíram a cavalo, em horas
diferentes, para ninguém perceber. O fim foi triste: os irmãos desconfiaram, foram atrás e mataram o tenente. Mas essa história
prova que em qualquer lugar do
mundo, mesmo numa ilha deserta, é possível inventar e reinventar a vida a cada dia -é só querer. O problema maior é que, antes de querer, é preciso saber o que
se quer, e aí é que são elas. Feliz de
quem traça um objetivo na vida
-basta um- e corre atrás dele.
Se vai conseguir ou não, é o de
menos.
Existem pessoas com essa capacidade. Capacidade de gostar
sempre do mesmo homem, de saber exatamente a que horas e com
que cara ele vai chegar em casa
-e não se irritar com isso-, capacidade de não ficar de mau humor porque os dias são sempre
iguais, o verão chega sempre no
mesmo mês, o sol nasce sempre na
mesma hora, o tempo passa; saber que é preciso ter paciência para esperar que o cabelo, cortado
curto num momento de loucura,
cresça de novo, não passar a vida
querendo mudar a cara, a casa, o
casamento, o mundo. Ser sensata,
digamos assim, e sobretudo saber
se conformar. Se conformar: isso é
o mais difícil.
Ela, que sempre preferiu as incertezas à certeza, a insegurança
à segurança, pagou o preço. Se arrepende? Às vezes.
Mas só às vezes; é quando, num
domingo, fica sozinha e o telefone
não toca. Sabe que a culpa é toda
dela, que, com sua insuportável
individualidade, sempre se recusou a pertencer a qualquer grupo.
Agora não tem nem o direito de
reclamar.
Mas e se tivesse feito como todo
mundo? Se tivesse conservado
suas amigas do tempo de colégio
e, em vez de passar a vida procurando -e muitas vezes inventando- o amor, tivesse tido menos
pressa e sido mais tolerante? Talvez tivesse uma companhia e não
estaria envelhecendo só. Só que
aos 25 ninguém acredita que algum dia vai ter 60 -e ela, menos
que qualquer um; agora é tarde e
Inês está mais do que morta e enterrada.
Quando se sente só, porque
nunca pensou no futuro, pensa
que podia ter sido pior. Imagine
se tivesse vivido sempre certinha e
fosse trocada por outra, uma bem
louca?
Mas é inútil pensar em como
poderia ter sido se, se, se: é domingo e ela está só. Talvez menos só
do que as tantas vezes em que esteve rodeada de pessoas que aparentemente eram amigas e por
um homem que aparentemente a
amava.
Hoje é domingo, mas amanhã é
segunda e depois vem a terça, a
quarta, a quinta, a sexta e o sábado. E os domingos nunca são fáceis.
E-mail - danuza.leao@uol.com.br
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