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INFÂNCIA
Programa está sendo criado para evitar que menores sejam enviados a abrigos; "famílias guardiãs" serão preparadas
SP quer substituir orfanatos por famílias
AURELIANO BIANCARELLI
DA REPORTAGEM LOCAL
São Paulo está iniciando um
programa para evitar que crianças e adolescentes abandonados
ou em risco sejam enviados aos
abrigos. A intenção é preparar
"famílias guardiãs" para que cuidem deles até que seus destinos
sejam decididos pelo Judiciário.
Pela prática vigente, as crianças
permanecem nos orfanatos enquanto a situação é definida. No
final, podem retornar para a família de origem ou serem liberadas
para a adoção. O percurso pode
levar anos, prejudicando o desenvolvimento afetivo da criança e
reduzindo suas chances de vir a
ser adotada.
Pelo projeto, as famílias selecionadas e treinadas poderão receber um salário mínimo por mês
-o valor ainda está em estudo.
Só nos abrigos da capital, conveniados com a prefeitura e o Estado, estão cerca de 2.600 crianças
e adolescentes. Estima-se que outro tanto viva em orfanatos não
conveniados nem cadastrados. E
que pelo menos 500 crianças estariam morando nas ruas.
O projeto está sendo discutido
por um núcleo que reúne a Secretaria de Assistência Social da prefeitura (SAS), representantes do
governo do Estado, do Judiciário,
do Ministério Público e dos Conselhos Tutelares.
Pelo Estatuto da Criança e do
Adolescente, toda criança tem direito a uma convivência familiar
saudável. Se a família de origem
não pode dar, que seja dado por
uma família substituta.
Não é o que acontece. "Há uma
cultura do abandono e da institucionalização no Brasil", diz o juiz
Rodrigo Lobato Junqueira Enout,
presidente da Associação Brasileira de Magistrados da Infância e da
Juventude, que há anos defende
uma política pública que incentive a guarda de crianças.
Por essa cultura do orfanato,
muitos promotores -e mesmo
juízes- ainda resistem à concessão da guarda a famílias. "Ou vai
para a adoção, ou fica no abrigo, é
assim que pensam", diz Enout.
O juiz observa que os casos de
guarda registrados se limitam a
parentes, quando a mãe ou uma
tia fica com o bebê que nasceu da
filha adolescente, por exemplo.
"Guarda por famílias estranhas é
praticamente zero."
Perda da guarda
A guarda é retirada dos pais em
caso de abandono, alcoolismo,
violência ou impossibilidade de
oferecer cuidados. Nesse estágio,
o pátrio poder permanece com os
pais, que podem vir a recuperar a
guarda. Caso a Justiça constate
abandono maior, o pátrio poder
será retirado e a criança disponibilizada para a adoção.
Nelson Alda, da Coordenadoria
de Assistência ao Adolescente da
SAS, diz que o pagamento será
uma ajuda, não uma forma de
atrair casais para a guarda. "As famílias serão selecionadas, preparadas e depois acompanhadas. Só
serão triados os que tiverem envolvimento com o projeto. Terá
de haver uma mudança de mentalidade."
"Pais de Plantão"
O projeto de São Paulo começa
com atraso. A França e os EUA,
por exemplo, praticamente eliminaram seus orfanatos. No Brasil,
há várias iniciativas.
Belo Horizonte criou em 1994 o
programa Pais de Plantão. Famílias inscritas na Vara da Infância e
da Juventude estão prontas para
receber, por tempo indeterminado, criança ou adolescente que teve a guarda retirada pelo juiz.
"Desde que o programa foi criado, 446 crianças deixaram de ser
encaminhadas às instituições",
diz Tarcísio José Martins Costa,
juiz titular da Vara da Infância e
da Juventude de Belo Horizonte.
Em Franca (400 km ao norte de
São Paulo), Judiciário, prefeitura
e sociedade criaram em 1998 o
programa Família de Apoio. Cerca de dez casais, preparados, ficam com a guarda provisória da
criança até que as questões jurídicas sejam definidas. No primeiro
ano, 48 crianças foram acolhidas
por 13 famílias da cidade.
O fato de a família saber que
"perderá" a criança em algum
momento não é empecilho. "Mesmo que o desligamento seja difícil, a vinculação afetiva só vem a
acrescentar, nunca traz prejuízos", diz Abigail Aparecida de
Paiva Franco, assistente social judiciária. Abigail, doutoranda da
Unesp de Franca, vem dedicando
suas pesquisas e suas teses ao programa Família de Apoio.
Por trás das iniciativas pela desinstitucionalização da criança está a certeza de que nenhum abrigo, por melhor que seja, consegue
substituir uma família.
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