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JUDICIÁRIO
A chamada Justiça terapêutica, aplicada no RS, prevê suspensão de processo em troca de tratamento a acusados
Preso por droga deve ser tratado, diz juiz
ROBERTO COSSO
DA REPORTAGEM LOCAL
O juiz Carlos Alberto Corrêa de
Almeida Oliveira, da 4ª Vara Criminal de São Paulo, defende que a
Justiça ofereça a possibilidade de
tratamento para as pessoas presas
por consumir drogas.
A Justiça terapêutica, como é
chamada a possibilidade de suspensão do processo em troca do
tratamento do acusado, é aplicável tanto para as pessoas presas
por causa da posse de drogas para
consumo próprio quanto para as
que cometem pequenos crimes
com o objetivo de conseguir dinheiro para comprar as drogas.
Leia os principais trechos da entrevista concedida pelo juiz.
Folha - Que é Justiça terapêutica?
Carlos Alberto Corrêa de Almeida
Oliveira - A Justiça terapêutica é
uma nova forma de o Judiciário
ver a questão do uso de drogas.
Ela parte do princípio de que se
pode tratar o dependente de drogas e, com isso, evitar que ele cometa outras infrações penais.
Folha - Como isso é feito?
Oliveira - A Justiça terapêutica é
optativa; não é obrigatória nem
coercitiva para o acusado. Nos casos em que há possibilidade de ser
feita transação penal, a pessoa se
submete a um programa de tratamento e, no final, é extinta a punibilidade do crime. Ela também
pode recusar esse sistema e seguir
o sistema comum da lei.
Folha - Então o tratamento substitui a pena?
Oliveira - Não, o tratamento
substitui o processo. É uma alternativa para o acusado, apresentada na fase preliminar do processo.
As drogas estão direta ou indiretamente ligadas à maior parte dos
crimes cometidos na capital.
Folha - Em que casos a Justiça terapêutica pode ser aplicada?
Oliveira - No tráfico de drogas,
devido à gravidade do delito, não
se aplica a Justiça terapêutica. Mas
ela pode ser aplicada em casos de
posse de entorpecente para uso
próprio e outros pequenos delitos, quando eles são cometidos
para obtenção de drogas.
Folha - Não é preciso mudar a lei?
Oliveira - No caso de furtos, haveria a necessidade de haver algumas modificações legais para que
esse sistema seja aplicado. Mas
com a lei dos juizados especiais federais, que é aplicável à Justiça estadual, já é possível falar em transação penal nos casos de posse de
entorpecente para uso próprio.
Folha - Em que outros casos ela
pode ser aplicada?
Oliveira - A Justiça terapêutica
pode ser aplicada hoje em casos
que sejam considerados de pequeno potencial ofensivo ou em
que seja possibilitada a suspensão
do processo [crimes puníveis com
penas de até quatro anos". Mas a
Justiça terapêutica deverá ser
guardada às pessoas usuárias ou
dependentes de drogas e que estão cometendo infrações penais
em razão dessa dependência.
Folha - O objetivo não é a punição, mas recuperação do viciado...
Oliveira - Depois do iluminismo,
as sanções penais possuem três
aspectos: a retribuição pelo mal
feito à sociedade, a prevenção para que outros não o façam e a ressocialização. A Justiça terapêutica
está ressuscitando um dos princípios da pena: a ressocialização.
Folha - A Justiça terapêutica já foi
implantada em outros países?
Oliveira - Ela nasceu nos EUA
como uma idéia para diminuir a
criminalidade. É um instrumento
de auxílio às pessoas que usam
drogas, são levadas à Justiça e não
tiveram a chance de ter um tratamento. É uma forma de evitar que
o homem seja marginalizado no
sistema carcerário.
Folha - Como a Justiça terapêutica funciona nos Estados Unidos?
Oliveira - O princípio básico é a
abstinência do uso de drogas com
a realização de exames periódicos. A pessoa é inserida em um
programa de tratamento, que
normalmente dura pelo menos
um ano, em que será feita avaliação de suas necessidades.
Folha - O pressuposto é que o dependente é uma pessoa doente.
Oliveira - A pessoa que usa drogas tem problemas e precisa de
ajuda. É uma forma de evitar que
ela cometa crimes para conseguir
a droga e se marginalize mais.
Folha - O que acontece se os exames derem resultado positivo?
Oliveira - A Justiça terapêutica se
funda na idéia de autodisciplina.
Quando se verifica a recaída da
pessoa no uso de drogas, ela é motivada a voltar ao programa. Só
nos casos em que se verifica que
ela não tem a intenção de se tratar
é que sai da Justiça terapêutica e
passa para a Justiça comum.
Folha - Daí começa o processo?
Oliveira - O acusado fica sujeito a
um processo e, se for condenado,
recebe uma pena. O fato de ele ser
inserido na Justiça terapêutica
não significa confissão de culpa.
Folha - Ele continua réu primário?
Oliveira - Quando for extinta a
punibilidade, ele continua réu
primário. A Justiça terapêutica é
uma chance que a sociedade dá ao
acusado para que ele continue
primário e volte a ter uma vida socialmente ativa.
Folha - Seria possível aplicar o
modelo norte-americano no Brasil?
Oliveira - A Justiça terapêutica já
funciona no Rio Grande do Sul.
Em outros Estados, como Rio e
Bahia, ela começa a ser implantada. Esperamos que a instalação
dos juizados de pequenas causas
criminais também incentive sua
implantação em São Paulo.
Folha - O sistema público de saúde tem condições para tratar todas
as pessoas que podem ser incluídas
nesse programa?
Oliveira - A questão da saúde no
Brasil é muito delicada, embora
exista uma obrigação legal para
que o Estado mantenha unidades
de tratamento. Se trabalharmos
na prevenção do crime, poderemos economizar dinheiro na
construção de novos presídios e
nas despesas com os presos.
Folha - Quantas pessoas poderiam ser incluídas nesse programa?
Oliveira - Pelo menos 200 pessoas por mês em São Paulo.
Folha - O sr. já apresentou essa
idéia para os órgãos públicos?
Oliveira - Estamos trabalhando
em conjunto com a Secretaria de
Saúde do Estado de São Paulo.
Mandando pessoas para serem
submetidas a programas de tratamento de um ano em que o juiz
acompanha o tratamento.
Folha - O sr. está fazendo isso?
Oliveira - Adoto essa prática há
alguns meses e tenho dez pessoas
inseridas nesse programa.
Folha - Quais são os resultados?
Oliveira - O programa só dá resultados a longo prazo. Ainda não
deu tempo de ver os resultados.
Folha - As pessoas são submetidas a exames para verificar a presença de drogas no sangue?
Oliveira - Atualmente, não temos estrutura para fazer isso em
São Paulo, mas pretendemos, um
dia, chegar a esse ponto. O importante é o fato de estarmos remetendo ao tratamento pessoas que,
antes, seriam condenadas ao fornecimento de uma cesta básica ou
uma multa e continuariam tendo
problemas com o uso de drogas.
Folha - Se todos os juízes adotassem a Justiça terapêutica, a saúde
teria condições de atender a todos?
Oliveira - Não, atualmente não
teria condições. Mas existe um interesse crescente para a questão
dos dependentes de drogas -inclusive o usuário de álcool.
Folha - A Justiça terapêutica também é aplicável a quem comete um
crime sob efeito do álcool?
Oliveira - Sim, nós não vemos
muita diferença entre quem comete infrações penais alcoolizado
e quem as comete sob efeito de outras substâncias entorpecentes.
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