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DANUZA LEÃO
Diferentes loucuras
A rua é comum, sem muito
movimento; aliás, sem movimento algum. Não chega a ser
uma rua completamente sossegada, mas também não é uma rua
animada. Sem árvores nem comércio, é apenas uma rua, nem
de gente pobre nem de gente rica.
Uma rua comum.
Num prédio também comum,
no quinto ou no sexto andar, um
apartamento. Prestando muita
atenção, dá para perceber que deve ser um conjugado, pois só tem
duas janelas dando para a rua,
sendo uma, visivelmente, a do
banheiro.
Ele deve ter entre 60 e 70 anos, é
meio gordo, meio careca, com alguns cabelos brancos. Bem cedo,
lá pelas 7h da manhã, chega à janela sem camisa e fica olhando
para baixo. Olha, olha e entra.
Daí a pouco volta, fica exatamente na mesma posição -com o cotovelo para fora-, olha, olha e
entra. Isso, várias vezes por dia,
todos os dias. Parece morar sozinho, e não deve trabalhar, pois está sempre em casa. E deve ser só,
muito só.
Quem é esse homem? O que faz,
que tipo de vida leva, o que procura tanto, olhando pela janela, o
que pensa, como se distrai? Ele dá
a impressão de não ter ninguém
nem nada na vida.
Nunca passa mais de meia hora
sem que chegue à janela; seu
olhar é vago, como se não tivesse
nenhum elo com a vida, a não ser
com aquele pedaço de rua onde
não acontece nada. Nada, não:
bem em frente à sua janela, há
uma carrocinha que vende sorvetes, jujubas, chocolates.
Numa outra rua, 200 metros
adiante, o bairro fervilha: são
barraquinhas vendendo livros
usados, artesanato, frutas, roupas
baratas -foi armado até um varal com camisetas de várias cores,
um mundo alegre inventado pelo
comércio popular da área. E ainda tem as carrocinhas de cachorro-quente, de caldo-de-cana, até
de pastel. Nas lojas de eletrodomésticos, várias televisões estão ligadas, cada uma em um canal, e
os vendedores, bem à moda antiga, ficam na porta, esperando os
fregueses. Como se vê, a rua ferve,
como só as ruas bem populares
conseguem. No botequim da
esquina, sempre rola um pagode,
como só costuma acontecer
nos bairros bem populares, e
ninguém está nem aí para a
guerra do Iraque ou para a guerra urbana.
Mas nada consegue fazer esse
homem sair de casa. Quando escurece, ele acende a luz do teto
-uma lâmpada triste, daquelas
de 40 velas- e volta para a janela, faça sol ou faça chuva, e fica
olhando para o nada.
Será que ele espera que alguma
coisa aconteça, que alguém chegue trazendo uma notícia, que a
mulher volte, que sua vida mude?
Não parece. Seus ombros caídos
são o retrato de quem não espera
mais nada.
Lá pelas 8h da noite, ele liga a
televisão, vê durante uma meia
hora, depois desliga e apaga a luz.
Enquanto isso, no prédio em
frente, alguém fala ao telefone,
troca o canal de TV, pega um livro, vê um trecho de filme, faz a
agenda do dia seguinte, combina
um jantar, fica na dúvida entre
um japonês e uma churrascaria e
se veste pensando em como deve
ser a vida do vizinho que vive na
janela, pensando em como tem
gente louca nesse mundo.
Se ele soubesse da vida dela, talvez pensasse a mesma coisa.
E-mail - danuza.leao@uol.com.br
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